quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O meu Everest...

Diz o velho ditado: “Ninguém conhece seu corpo melhor do que você mesmo”. Digo isto pra iniciar este “texto revelação” pois dezembro de 2011 notei diversas alterações no meu corpo que me deixavam desconfortável, e por conta disso resolvi investigar, e então utilizo um outro ditado popular pra ilustrar este diferente relato: “Quem procura, acha!”. Eis o resultado...

Tudo começou com aftas incríveis em plena lua de mel. Lili e eu nos casamos, fomos pra nossa lua de mel patagônica e durante todos os nove dias de viagem (e mais ainda depois que voltamos) três aftas abaixo de minha língua, distante umas das outras apenas um centímetro, me mataram de dor. Analgésicos a cada quatro horas pra aguentar comer. Sempre tive gastrite, sempre tive aftas, mas nunca três de uma só vez e no mesmo lado da língua. Não queiram passar por isso! Mesmo depois que voltamos de viagem elas persistiram e no total levou cerca de vinte dias pra fecharem. Fui a um gastro, fiz endoscopia digestiva, mas não deu nada mais que uma leve esofagite. Hmm?

Em janeiro, quando fui desligado do último emprego que eu gostava muito, e foi o primeiro que de fato fui demitido em toda minha vida profissional (por politicagem pura). Fiquei muito abalado. As aftas foram só o início. Durante a viagem aos Andes, viagem comemorativa do aniversário de minha sogra, e ao mesmo tempo com a intenção de levar a Lili pra ver as montanhas andinas e conhecer a minha cidade amada, San Pedro de Atacama, as coisas só pioraram. O tempo estava muito ruim, as montanhas acumulando metros de neve e com acesso interditado, chuvas diárias na cidade, alagamentos, tudo isso associado a uma forte gripe e espinhas fantásticas me fizeram adiantar o vôo e vir pra casa. Nunca tive a chance de tentar uma só montanha.

Assim que cheguei em casa fui ao pronto socorro do hospital já que quase não conseguia respirar bem e caminhar mesmo que lentamente era um esforço tremendo, e estava bem fraco. Diagnóstico de pneumonia. Dez dias de antibiótico e repouso absoluto, me recuperei completamente e facilmente em uns cinco dias.

Depois de só algumas semanas bem, fui com a Lili visitar a Bea no Rio Grande do Sul, aproveitando o prêmio que Lili ganhou em um sorteio na festa de final de ano no trabalho dela, uma viagem com passagens e hospedagens pagas pra nós dois, por um final de semana, em Porto Alegre. Muito legal! A viagem foi ótima (pudemos conhecer pessoalmente a Beatriz e a Miriam, duas amigas virtuais que passaram a ser reais), mas dolorosa...

No segundo dia meu dedo do pé começou a doer e não parou mais, só aumentou até que eu quase não conseguia andar. Reavaliei meu conceito de dor depois disso, dói demais por causa da maior ramificação de terminações nervosas nas extremidades...Eu mesmo fiz a primeira limpeza da ferida removendo tecido necrosado e todo o pus lá pelo quinto dia já de volta em São Paulo, e por intermédio do amigo Davi Marski consegui resolver o problema em definitivo via intervenção cirúrgica anestesiada, já que mesmo sendo minha sogra podóloga, ela não possui permissão legal para anestesiar, e eu precisava de uma cantoplastia. Sem anestesia “nem f...!”.

A partir daí, comecei a usar o plano de saúde semanalmente. Um check-up geral. Como iniciei o texto, eu conheço meu corpo como ninguém, e notei uma fragilidade maior que o normal, notei a queda do meu rendimento nas caminhadas, me cansando mais rápido. Isso me preocupou, mas associei à inatividade nas montanhas, que causa mesmo a queda do nosso preparo físico.

Fiz ecodopplercardiograma, normal e “com louvor”. Fiz teste em esteira com caminhada leve, pesada, e corrida. Teste em carga máxima: Normal e “com louvor”. Refiz a chapa do pulmão pra ter certeza da limpeza do processo inflamatório nos pulmões, limpos. Fiz exame de urina, normal e sem alterações. Fiz o primeiro hemograma completo: Alterações leves nas células brancas, e nas plaquetas: Situação anêmica em 102.000 plaquetas. Hemoglobina cerca de 20% abaixo do mínimo.

Isso explicava minha facilidade pra inflamações já que a imunidade estava baixa. Pronto, fiquei tranqüilo e na alimentação mesmo comecei a levantar as plaquetas, “socando” pra dentro muitos vegetais verdes, alimentos ricos em ferro e fígado, muito fígado. Ao mesmo tempo, começaram dores abdominais diárias. A alimentação pra mim não foi difícil mudar já que como de tudo, sem grilos. Gosto e tudo.

Remarquei a visita na médica, Dra. D, que dá cursos e palestras no CAP sobre medicina em altitude (pura coincidência!). Como eu e Tácio iríamos viajar, ela pediu que eu repousasse por alguns dias quando voltasse antes de repetir o hemograma e fazer exame parasitológico de fezes para analisar a dor, que já completava vinte dias ininterruptos.

Viajamos, passamos 4 dias e 4 noites na borda leste do PNI e durante todo esse tempo, tirando o cansaço físico normal depois de dias extenuantes, e meu constante atraso em relação ao Tácio de 3 a 5 minutos, o que considero até bom já que o preparo do Tácio é mesmo melhor do que o meu, não senti absolutamente nada, nenhuma dor, nada. Fiquei bem, nossa viagem foi muito proveitosa. Na volta repousei por oito dias e repeti o exame de sangue, fiz o exame de fezes (normal) e ultra-sonografia de abdome total (que deu normal).

As plaquetas melhoraram um pouco mesmo depois de quatro dias exaustivos no PNI, subiram pra 136.000 (o mínimo do normal seria 140.000), mas apareceram células blastos, 5%, um desvio nas células brancas, defesa do corpo. A própria técnica que analisava meu sangue ligou e disse que iria recomendar um exame mais específico, pois ou algo estava seriamente errado comigo, ou medicamentos que eu tomei possivelmente alteraram o exame. Recomendou que eu tentasse mostrar o exame à médica o quanto antes, o que consegui no mesmo dia repassando o código de acesso e senha. Ela me ligou e disse: “Paulo, procure um hematologista rápido”. Nunca mais vi a Dra D. ou falei com ela após essa conversa.

A partir daí entendi que era sério, até pelo próprio histórico de minha família já que minha mãe sofreu de um distúrbio hematológico, a HPN (Hemoglobinúria Paroxística Noturna). Me preocupei. Lembrei do que a técnica me disse ao telefone, sobre as tais “células blastos”. Fui até o mestre, google.

Em segundos descobri a preocupação da técnica, e compartilhei do sentimento dela com um toque de desespero e descrença. Mas, infelizmente, quando li o que li, tudo se explicou rapidamente.

Fui à consulta com a Dra. P, um amor de pessoa, super atenciosa, educada, divertida e o melhor que um médico pode ter no meu ponto de vista, sincera. A consulta com um hematologista é interessante: Cheguei ao consultório, fiz a ficha, entreguei os dois hemogramas e esperei por meia hora. A princípio achei estranho esperar tudo isso já que eu era o único aguardando no consultório, mas depois entendi.

Quando entrei pra consulta ela já tinha uma folha A4 cheia de anotações e contas, tudo ao lado dos meus hemogramas. Apresentou-se e me perguntou o que estava acontecendo. Passei cinco minutos contando todo o histórico. Quando terminei, ela me disse: “Paulo, vendo seus exames, e você nota que eu já analisei tudo antes de chamar, eu estava decidida a te internar hoje pelos resultados ruins. Mas, vendo seu histórico e te vendo aqui dando seu depoimento bem e sem reclamações, já mudei de idéia. Esperava que você entrasse aqui reclamando de diversas coisas, mas você está surpreendentemente bem, você é muito forte”.

Calma, eu explico, ela achava que eu reclamaria de mil e uma coisas, de dor generalizada, de cansaço disso, daquilo...Examinou minhas funções: Pressão como sempre normal (12/8), saturação de oxigênio em 100%, e freqüência cardíaca também normal. Apalpou meu abdome e não senti nada (ela buscava por inchaço no baço). Logo em seguida, eu confidenciei a ela minha suspeita (quis demonstrar que estudei o exame e que sabia da possibilidade, eu queria sinceridade), e ela disse que eu estava certo, que o meu quadro hematológico é exatamente o que eu desconfiava mesmo depois de passar sete dias na internet estudando, horas por dia. Solicitou exames específicos e disse pra que eu tentasse marcar pelo plano, mas se demorasse muito, que ela preferia me internar pra fazer imediatamente. Saí do consultório dela e desci a rua transtornado. Liguei pra Lili que estava no trabalho e no seu dia de aniversário de 28 anos, contei a notícia (a consulta coincidiu com o aniversário da Lili, 25 de maio). Ela não conseguiu conter a emoção e chorou. Depois que desligamos, eu continuei andando e chorando sozinho pelas ruas até chegar à 23 de março, quatro quadras depois.

Passei a sexta-feira dia 25 de maio mandando e-mail pra empresa que me assiste para marcação de exames, e pra fazer tudo que ela me pediu, só conseguiria para setembro. Passamos o sábado e o domingo em casa, fizemos um almoço pra comemorar o aniversário da Lili, e segunda logo cedinho a Dra. P me ligou pra saber o que havia acontecido e eu confirmei o resultado desfavorável nas tentativas. A assistente dela me passou o telefone do Instituto de Hematologia em São Paulo, tentei, mas só conseguiria para julho e ainda teria que pagar por três exames, cada qual custando cerca de R$ 450,00. A decisão foi imediata, internação.

Aliás, uma observação: Comecei a escrever este texto ainda no Hospital Santa Paula na Av. Santo Amaro aqui na capital paulista.

No mesmo dia logo após o almoço a Dra. P me ligou e passou as orientações pra que eu fosse ao hospital me internar. Cheguei no dia 28 por volta das 13:35h, levei quase sete horas pra concretizar a internação e chegar ao meu apartamento, minha residência temporária. Comecei a escrever este texto dia 31.05.2012 e continuava internado, já tinha feito os exames solicitados que consistiam em biópsia de medula óssea, mielograma, imunofenotipagem, cariótipo, philadelphia, hemogramas diários, teste de hemácias, etc, etc, etc...Só em um dia retiraram 15 tubos de sangue para exames e meus braços pareciam os braços de um viciado em drogas injetáveis.

(No hospital e com fome!)

Dia 1º de junho, quase meia noite, desci ao térreo para fazer uma tomografia computadorizada pra tentar descobrir o que estava me causando as dores abdominais, nada de errado! Agora vamos ao momento mais assustador...

A tal da biópsia da medula óssea. Por Crom, que momento assustador...a anestesia é local mas mesmo praticamente sem dor, sente-se todo o procedimento que leva entre anestesia e curativo cerca de 30-35 minutos, depende do corpo do paciente (gordo ou magro), da experiência e confiança do médico. Ele me explicava tudo antes de fazer (Dr. A) e me disse que eu sentiria sangue espirrar ou escorrer, mas que não me preocupasse pois tudo que estava acontecendo no momento estava sob total controle dele.

(Lili comigo, passou cinco noites desconfortáveis lá)

Foi muito, muito assustador, eu estava me cagando de medo, nunca tive tanto medo na minha vida de alguma coisa programada. Ele anestesiou, fez o primeiro furo, coletou amostra da medula para mielograma, cariótipo, philadelphia e imunofenotipagem, e depois passou para o mais complicado, amostra óssea. Me avisou que eu sentiria a pressão forte, e senti. Nossa, parecia uma chave inglesa apertando meu osso, eu sentia a agulha entrar, mas não imaginava o tamanho da “facada”.

Suava frio, estava tenso, mas consegui ficar completamente imóvel mesmo sentindo o sangue escorrer me causando cócegas.

Quando terminou ele limpou, fez curativo e eu pude me virar. Pedi que ele me mostrasse a agulha utilizada no procedimento e pra minha infelicidade ele me mostrou. Mesmo impressionado, não perdi tempo pra fazer a piada: “Cara, se tu me mostra isso antes além de não deixar você fazer o exame, eu te socava e saía pelo corredor te acusando de tentativa de assassinato!”. Foram 2 minutos de gargalhadas, dele, da assistente dele, e minha (da minha parte 20% por causa da piada e 80% de nervosismo). Serviu pra quebrar o gelo da seriedade do procedimento.

Não sei se vocês sabem o que é a agulha pra biópsia da medula óssea. Parece um saca rolha, com cabo e tudo. A única diferença é que ela é reta sem as curvas do aço do saca rolha e mais fina. Mas mesmo sendo mais fina, é infinitamente mais grossa que uma agulha normal, tem creio uns 3 ou 4 mm de largura, e a agulha em si, sem o cabo, cerca de 8 a 10 cms! Ta lokooooooo!!!

É claro que quanto mais magra a pessoa, menos entra de agulha, pois a distância entre camadas de pele, tecido adiposo, músculo até chegar o osso, é menor. Quanto mais gorda, mais entra de agulha e pior é pra quem é paciente, e pro médico, mais difícil. No meu caso, foi usado cerca de 4cms de profundidade sendo que a amostra óssea tinha cerca de 2,5 cms de tamanho, ou seja, menos de 2 cms de tecido até chegar ao osso. Foi fácil pro Dr. P.

Exemplo de biópsia de medula óssea, este vídeo não é o meu exame, mas fiz exatamente o mesmo procedimento:

(o rapaz deste vídeo descobriu que tinha LMC, fez sessões de quimioterapia, transplante, e está bem!)

Até uma psicóloga foi falar comigo, Dra. S, cujo atendimento não me agradou muito. Ela queria porque queria me ver me lamentar, chorar, questionar, e etc. Ela não acreditou que eu já entendia o que eu podia ter, e que aceitei uma hora depois da notícia, e entendi a seriedade. Posso estar morto em um ano, dois anos, ou posso viver o resto da minha vida. Mas, tudo se deve ao fato de que minha medula óssea sofreu um desvio no começo deste ano, uma reação química que deu errado, e passou a não terminar minhas células sanguíneas, liberando para o sangue periférico células imaturas, inacabadas. Estas células inacabadas são as blastos.

Bem, esclarecendo o meu possível diagnóstico neste momento, 1º de junho de 2012: Leucemia Mielóide Crônica. Um dos diversos tipos de câncer sanguíneo.

(suplemento dado a pacientes com câncer)

A dor posterior à biópsia da medula é mais um desconforto. Doía mesmo pra levantar ou sentar, deitar ou levantar, mas ficando parado, foi moleza e passou em dois dias. Pra montanhista então, um fiasco. Depois de mais um tempo fui liberado pelo hematologista responsável pelo meu atendimento e fui pra casa depois de seis dias internado bebendo suplemento pra pacientes com quadro de câncer duas vezes ao dia.

(Meu furo residual do exame, já cicatrizando)

De lá pra cá muita coisa aconteceu, já fiz diversos hemogramas já que agora preciso fazer um a cada quinze dias pra monitorar minha saúde sanguínea, pois se as plaquetas caírem muito, precisarei de um transplante de plaquetas. Por isso quando fui assistir ao André Rieu no Ibirapuera, usei uma máscara pra me proteger de possíveis infecções em um local fechado e com tanta gente.

Novas possibilidades foram levantadas como a Parvovirose. Em 1975 cientistas descobriram que o parvovirus podia sim afetar seres humanos e não somente caninos, e mesmo depois de muito estudo, o parvovirus que acomete humanos só foi tipificado em 2001, recebeu o nome de Parvovirus B19. Ele ataca a medula óssea causando uma série de distúrbios por causa disso, dentre eles CAT e Aplasia.

Fiz o teste, exame que meu plano não cobriu (eu poderia me internar e fazer o exame de graça, mas não quis ficar no hospital de novo) e eu paguei quase R$ 500,00. Deu negativo. Já tive contato com o parvovirus, tenho anticorpos, mas nenhuma infecção, nada.

Depois de muitas reuniões, ligações telefônicas, e diálogo entre a Dra P e outros dois amigos hematologistas, chegaram ao meu diagnóstico essa semana (segunda semana de agosto de 2012), Aplasia de Medula Óssea. Ela está falhando e pode ser que literalmente pare de funcionar. Os Blastos somem e reaparecem nos meus hemogramas, e isso significa que ela não morreu completamente, pois o simples fato de os blastos aparecerem implica em constatação empírica de tentativas da medula em produzir células sanguíneas, mas ela não consegue concluir o trabalho.

A solução proposta é simples: Transplante de Medula Óssea. Amanhã, dia 15.08.2012, terei uma consulta com um especialista em transplante de medula óssea, o melhor de São Paulo e um dia melhores do Brasil, já como candidato a transplante, para avaliação dele.

Fazer um transplante de medula óssea é simples, mas pra isso preciso de um doador compatível, e o ideal é que a compatibilidade seja acima de 95%. Na verdade o ideal mesmo é 100% mas isso é raro de se encontrar. Vale a pena testar irmãos e irmãs antes de buscar por um doador no banco mundial (que já ultrapassou de cinco milhões e doadores cadastrados), então vou precisar testar minhas duas irmãs no Rio de Janeiro pra ver a compatibilidade comigo.

Mas, pra receber a medula nova, vou ter que passar por uma ou duas sessões de quimioterapia pra detonar com a minha, acabar com o sistema imunológico totalmente pra que a nova entre e "refaça a casa", pra ter certeza de que a nova medula pegue. Vou ter que ficar um tempo internado pro procedimento da quimioterapia e do transplante, imagino algo em torno de 10 dias, talvez mais. Não sei. Depois de realizado o transplante, começarei a tomar imunossupressores que evitam que a medula veja meu corpo como um invasor e comece a atacá-lo. Isso mesmo, em transplante de medula funciona ao contrário, não é como um transplante de rim por exemplo onde o corpo pode identificar o novo ruim como corpo invasor e começe a atacá-lo. Como a medula óssea que constrói e faz a manutenção do sistema imunológico, ou seja, ela põe ordem na casa, ela que pode identificar meu corpo como não sendo o dela, e o ataque. Os imunossupressores evitam isso e terei que tomá-los pro resto da minha vida. Claro, existem efeitos colaterais que podem ir diminuindo com o tempo, mas, ou é isso ou bye bye Parofes.

Mesmo sendo minha chance de cura grande pelo esporte que escolhemos, o que nos faz buscar sempre uma saúde boa, boa alimentação, exercícios constantes, tudo isso colabora pro meu bom quadro geral de saúde que faz com que mesmo anêmico e com um quadro hematológico como o meu, esteja me sentindo bem e doido pra ir a uma montanha sempre, o tempo todo. Eu nunca me droguei, não bebo NADA alcoólico há mais de quatro anos, não bebo refrigerante, nem gosto muito de doces!

(tentando me proteger de infecções no Ibirapuera assistindo a André Rieu)

Não sei como será minha vida além de daqui há 1 mês, mas não me preocupo. Sei que será duro, mas confio na equipe que está cuidando de mim, e sem eufemismos ou auto-ajuda, tenho 100% de certeza do sucesso do tratamento que, mesmo sendo desgraçado (quimioterapia inicial) e que eu sei que me arrancará gritos de dores, náuseas, vômitos, perda de peso, febre, frio, calor, também me trará um futuro, maior do que um mês, e me colocará em relativamente pouco tempo de volta à minha vida com minha esposa e família, e às montanhas do Brasil e dos Andes.

Será que chego a essa fase de químioterapia, busca de doadores, transplante e pós transplante? Tudo depende da consulta de amanhã e espero que sim. Topo qualquer coisa pras espinhas pararem, pros outros processos inflamatórios pararem, pras dores abdominais pararaem (130 dias já, 24h/ dia, piorando após 18:00h). Quero, e muito, fazer o trransplante. Este é o meu Everest, minha busca pela cura! :^)

Certo da compreensão de todos de minha possível ausência do nosso cenário por indeterminado período de tempo, e mais certo ainda do pensamento positivo e força de todos vocês, deixo aqui um abraço a todos!

Parofes.

Update 16.08.2012: Hoje tive que refazer Mielograma, Cariótipo, Imunofenotipagem, Philadelphia, tudo de novo! Facada nas costas de novo, pqp isso não tá nem começando...

(outro furo, chega não? Essa porra dói!) Até mais novidades, Parofes

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Campeonato Brasileiro de Boulder e Slackline 2012


Após o sucesso da 1ª Etapa realizada na Urca no Rio de Janeiro e a 2ª etapa realizada na cidade paulista São Bento do Sapucaí, chegou a hora de Belo Horizonte sediar a final do campeonato brasileiro de Boulder realizado pela Adrena Esporte e Aventura, em comemoração aos seus 10 anos de vida, que acontecerá nos dias 25 e 26 de agosto de 2012. O evento vai acontecer no cartão postal de Belo Horizonte a Praça do Papa. Pela primeira vez, na capital mineira, um campeonato de escalada será realizado em praça pública. A Praça do Papa fica no bairro Mangabeiras, situada ao pé da Serra do Curral, símbolo da capital mineira, a mais de 1.100m de altitude.

O Boulder é uma modalidade da escalada esportiva que é feita em pequenas paredes com uma altura não superior a 5 metros, que requer força e técnica para alcançar o topo. Caso o escalador não consiga atingir o topo e cair, colchões, mais conhecidos como Crash Pad, irão amortecer a sua queda.

A etapa final do campeonato Brasileiro de Boulder será realizada em paredes artificiais, que são construídas de madeira e estrutura metálica. A estrutura que será montada para a competição é a maior estrutura da modalidade já montada no Brasil. Os melhores atletas do país estarão disputando uma passagem aérea para o mundial de escalada que irá acontecer em Paris em setembro.

A disputa acontece na primeira fase em um grande festival, onde todas as categorias se interagem, em um ambiente de confraternização, possibilitando assim a troca de experiências e amizades. Após esta fase a principal categoria, a Master, irá dispustar entre os 6 melhores atletas masculino e feminino quem é o vencedor. Ganha quem conseguir subir o maior número de linhas pré-determinadas, chamadas de boulders, sem cair e alcançar o topo.

Simultaneamente a competição de escalada, na Arena SlackLine os melhores atletas do Brasil da modalidade trickline vão travar batalhas na disputa pelo primeiro lugar do Campeonato Brasileiro de Slackline. A natureza dinâmica da fita permite com que acrobacias e manobras impressionantes sejam realizadas por quem se aventura em seus diversos e intensos balanços. Esta modalidade da Slackline se chama Trickline.

Para estruturar o Campeonato Brasileiro de Slackline, são realizadas batalhas definidas através de sorteios. Em cada batalha o atleta tem 2 minutos regressivos para a execução de suas manobras e são avaliados pela limpeza, técnica, dificuldade e criatividade. Ao término da disputa, os árbitros se reúnem para decidir qual o atleta avança à próxima fase. Serão quatro categorias sub-15, Amador Masculino e Feminino e Master Masculino

Visando despertar o interesse de novos praticantes serão realizadas oficinas e workshops para iniciantes. Para o público divertir será disponibilizado gratuitamente um muro de escalada e slackline.

O evento irá trazer mais força para o cenário da escalada no Brasil. Minas Gerais é considerado por muitos o futuro do montanhismo brasileiro e Belo Horizonte fica no centro geográfico, no centro dos principais points, tornando um excelente ponto de apoio para quem deseja praticar a atividade. Além disso a capital mineira conta hoje com três ginásios de escalada indoor e diversas paredes de escalada em academias de ginástica. A cada ano o número de praticantes aumenta e com certeza a final do campeonato brasileiro de boulder sendo sediado em Belo Horizonte irá ajudar muito neste processo.

PROGRAMAÇÃO
Dia 25 de agosto (Sábado)
10:00 às 12:00 - Inscrições e entrega dos kits
13:00 às 17:00 - Festival de Boulder - categorias Amadoras, Infantil e Paraclimbing
13:00 às 20:00 - Batalhas Slackline das categorias Amadoras e eliminatórias Master
17:00 às 20:30 - Festival de Boulder Categorias IFSC
18:00 - Entrega de medalhas do Festival de Boulder categorias Amadoras, Infantil e Paraclimbing


Dia 26 de agosto (Domingo)
09:00 às 12:00 - Finais Slackline categoria Master
12:30 - Premiação Slackline
13:00 às 15:00 - Final Boulder Categoria Feminino Master
15:00 às 17:00 - Final Boulder Categoria Masculino Master
17:00 - Entrega de medalhas do campeonato de Boulder categorias Feminino Master e Masculino Master

PATROCÍNIO E REALIZAÇÃO: ADRENA ESPORTE E AVENTURA
CO-PATROCÍNIO: CONQUISTA, SOLO E EVOLV
APOIO: STERLING ROPE, BELO HORIZONTE, TOP PHYSIO, 4CLIMB, ELEPHANT, PÉ NA FITA, SOS SAPATILHA, BELÊ RESSOLA, CBME, AME, FEMEMG.
MAIS INFORMAÇÕES:
Facebook: "Adrena Esporte e Aventura"

Vídeos oficiais 1ª e 2ª etapa:

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Retorno à mantiqueira pt2: Pico do Papagaio - 2.105m

Depois do nosso ataque com sucesso ao cume da distante e desconhecida Mitra do Bispo, ou Pedra do Bispo de 2.200 metros de altitude, pedimos informações ao Betinho, nosso sorridente anfitrião mineiro, de como chegar a Aiuruoca de onde estávamos. Da propriedade onde ele mora saía uma estrada de terra que nos levaria direto lá, sem dezenas e dezenas de quilômetros como os que rodamos pra chegar a Alagoa. Dali nos custaria só 17km. Beleza, a aventura continua...

Antes de tudo, uma rápida explicação.

Rodamos e rodamos sempre olhando o Pico do Papagaio, que rapidinho foi crescendo de tamanho no pára-brisa do carro. O engraçado é que ele não é uma montanha, aliás, é o “sub-cume” mais baixo de toda a Serra do Papagaio, mas tem um formato exuberante, chama atenção a dezenas de quilômetros de distância, e não deixa de ser reconhecido pela maioria arrasadora dos montanhistas brasileiros como “Pico do Papagaio”, mesmo que não seja tecnicamente uma montanha. O ponto culminante do “PP da Mantiqueira” fica a 2.105 metros (online é possível encontrar até altitudes muito erradas como de 2.200 metros, 2.293 metros é a mais comum) conferido com o garmin 60cx do Tácio sobre a pedra de algumas toneladas que jaz no seu cume.

Não é uma montanha, pois o ponto mais baixo da crista onde ele está, justamente onde se sai da mata e há o encontro de trilhas em um “Y” com a que faz a travessia passando por toda a crista até o Morro da Canjica na outra extremidade, não chega a dois mil metros, está a 1.980 metros de altitude. Isso dá ao papagaio uma proeminência de 125 metros verticais somente.

Para muitos que não sabem, o ponto culminante da Serra do Papagaio é o Pico da Bandeira, ou Morro da Bandeira, com 2.370 metros de altitude e homônimo do nosso tão amado e idolatrado Pico da Bandeira do Parque Nacional do Caparaó, com 2.893 metros de altitude, terceiro ponto culminante da terra tupiniquim. Ao longo da crista há pontos mais altos que recebem nomes, dentre eles o Morro do Tamanduá de 2.180 metros, formação curiosa de rochas sobrepostas que mais parece uma mão apontando para o céu, mais ou menos no meio do caminho entre o Papagaio e o Bandeira, e logo depois do Bandeira na outra extremidade da serra jaz o Morro da Canjica, que chega aos 2.240 metros, também maior do que o Pico do Papagaio. Mesmo assim, o único com projeção no nosso meio é o Pico do Papagaio, até porquê é o mais fácil de ser identificado, podendo ser visto até mesmo desde o Parque Nacional do Itatiaia a 38 kms de distância.

Agora sim vamos em frente

Enquanto nos aproximávamos da cidade de Aiuruoca, que por sinal escutei falar por anos a fio, mas nunca havia pisado antes, tínhamos a visão um pouco nublada da Serra do Papagaio, ainda bem que as nuvens eram altas então toda a serra estava limpa, sem sol, mas limpa. Fomos ficando mais e mais impressionados com o tamanho da ponta do Papagaio e por isso até entendo que seja conhecido, ou reconhecido como um pico por puro merecimento, por pura beleza. Quer saber? Eu concordo, Pico do Papagaio! :^)

Chegamos na cidade até cedo, por volta das 16:30h, então tivemos tempo de fazer um lanche e depois procurar uma pousadinha tranqüila pra lavar o corpo e dormir em uma cama de verdade antes de ir ao Papagaio na manhã seguinte. Normalmente não faço isso, mas devido a novas circunstâncias de força maior, meu corpo precisa de uma cama confortável e um banho quente, além de uma farmácia por perto...rs

Depois de comer passamos em um mercadinho pra comprar umas coisas e durante todo o tempo, da rua mesmo, dá pra admirar o Pico do Papagaio com sua enorme parede, como um sentinela da pequena cidade de Aiuruoca, que montanhas belas são aquelas da Serra do Papagaio!

Encontramos por indicação da atendente da lanchonete a Pousada e Restaurante Dois Irmãos, que fica desde já indicada. Ao preço modesto de R$ 40,00 oferece quarto muito bom com cama de casal e solteiro, banheiro limpo com água quente, vista da cidade desde um terraço e café da manhã muito bom, com variedade de pães, bolos, geléias e suco de laranja fresco da fruta, não de caixa. Barato. Muito indicado, se você passar pela cidade não irá se arrepender, mas sugiro reservar antes, basca procurar no google que encontrará.

Nos acomodamos, e depois que todo mundo tomou seu banho descemos pra jantar na própria pousada e depois pra uma caminhada rápida e infrutífera em busca de sorvete. Cidade do interior de Minas tem disso, tudo fecha com o pôr do sol mesmo...Voltamos pra pousada logo em seguida e cada um foi pro seu quarto, vi um pouco de notícias e dormi com a tv ligada.

De manhã antes do nascer do sol eu já estava de pé, bem descansado e com a adrenalina já correndo pelas minhas veias querendo galgar as encostas do Papagaio, mas eu sou apressado mesmo, então fiquei ali vendo o calor da luz do sol começar a iluminar as esquinas quietas da pacata vila, e enquanto dava uns cliques esperava pelo casal levantar pra tomarmos café junto antes de sair. Foi o que fizemos e depois disso arrumamos todas as tralhas na Defender e fomos embora.

Chegar na entrada de uma das diversas trilhas do Papagaio é muito tranqüilo, e perto da cidade, mesmo sendo via estradinha de terra que está em boas condições, só meia hora dá pra chegar lá. Na verdade não sei se há diversas trilhas, mas a trilha principal começa com certeza em mais de um lugar e vai se juntando mais acima em uma única, bastante erodida pela popularidade do Papagaio, que atrai nos finais de semana de inverno dezenas de montanhistas, campistas, aventureiros, amigos, e tudo mais buscando o visual do seu cume.

O acesso que pegamos não era com certeza o principal, o que entra diretamente na trilha, é um dos secundários, mas em apenas 100 metros de trilha encontramos a bifurcação da que parece ser a principal. Paramos o carro a 1.320 metros de altitude em uma pequena fazendinha que fica no final de uma estrada. Uma pequena propriedade que ao lado tinha uma pequena plantação de milho, e um grande descampado com diversas subdivisões de arame farpado. Ali começamos a andar e atravessamos perpendicularmente uns 600 metros de terreno, o que já deu algum trabalho por causa dos arames, até entrar na trilha que o Tácio via no GPS. Começamos a subir.

Apesar de muito batida e erodida, a trilha praticamente só sobe o tempo todo, não tem enrolação, em alguns momentos é pra frente, pouquíssimas descidas, mas em geral toca pra cima o tempo todo. Combinei com o casal que subiríamos bem, bem devagar, já que com anemia profunda minha taxa de glóbulos vermelhos, células responsáveis por carregar e distribuir o oxigênio pelo corpo, está muito baixo. Resumindo meu corpo não está se oxigenando corretamente então isso me deixa mais sonolento, mais cansado, mais preguiçoso, tudo isso.

Subimos sem pressa, sem alarde, o tempo estava completamente diferente do dia anterior, absolutamente limpo, céu tão azul e sol tão brilhante que estava até difícil calibrar a câmera da Lili que levei comigo, a Sony NexC3 (minha Canon G12 deu pau e está encostada). Logo logo, depois de dez ou quinze minutos já chegamos a uma clareira, e dali a trilha sobe até quase 1.800 metros de altitude sem proteção nenhuma contra o sol, no zigue zague erodido e exposto ao astro-rei. Ali sofri bastante. O calor drenava minhas energias e eu sonhava com a sombra de uma trilha protegida que estava por chegar logo depois dessa parte, bem perto.

Depois desse sofrimento inicial entramos na mata bem na base da parede do Papagaio, que neste lado tem mais ou menos 400 metros de altura, onde fica a via “Nirvana”. É bem, bem grande, e em uma parte a trilha literalmente passa a só três ou quatro metros da parede, que fica impressionante de se ver do ponto da trilha. O céu azul só ajudou na foto! Ali fiquei mais tranqüilo, cansava menos e tudo ficou mais agradável. Sempre, a cada quinze minutos, o Tácio e a Aline precisavam me esperar um pouco. Me sinto um pouco inconveniente com isso, mas não posso fazer nada...Não enquanto não descobrir o que tenho e me curar.

Em uma dessas paradas nos separamos, Aline e eu avançamos um pouco e Tácio ficou pra trás por uns minutos, e ali Aline e eu vimos uma florestinha de cinema. Uma parte da trilha que realmente parece um bosque, um lindo bosque. Tácio se juntou a nós e fotografamos uma orelha de pau enorme que vimos em uma árvore. Seguimos adiante e a trilha apesar de belíssima e muito, muito freqüentada, é limpa. Não vi nada de sujeira a não ser um pequeno pedaço de papel higiênico usado que o dono não enterrou direito, só isso. Fiquei surpreso, pela popularidade esperava uma porcalhada total, o que não vimos.

Enfim, seguimos circundando a trilha que dessa vez saiu em um descampado enorme, e quando eu digo enorme é enorme mesmo, quilômetros quadrados. A única coisa que quebra a monotonia desse descampado é alguns cupinzeiros desativados espalhados pelo lugar. A trilha sai ao ar livre, mas não avança pelo campo, segue a direita por uns cinqüenta metros em linha reta e entra novamente na mata. Sempre bem aberta, bem marcada, sem nenhuma possibilidade de alguém se perder, pra um fulano se perder ali ele deve ser completamente inexperiente e provavelmente ter a visão muito reduzida.

Em seguida a trilha sai novamente em uma clareira, entra na mata de novo, e nessa hora dá pra olhar pra traz e a cara do Papagaio já muda, vira um morrão bem, bem próximo, pois a parede já foi circundada. Depois sai novamente, já na crista da serra, onde há o “Y” que encontra com a trilha da travessia, que também é muito bem batida e sem erros. Pra ir só ao Papagaio basta seguir a direita e entrar de novo na mata. Foi o que fizemos, de novo a trilha sai em uma clareira curta e atravessa um mato baixo e com trilha erodida como sempre. Entramos de novo na mata e dali começa uma sessão meio impressionante. A trilha se transforma em um conto de fada, uma parte quase inacreditável dentro da floresta muito bem preservada:

>Folhas secas forram o chão pra caminhada se tornar confortável e cênica...
>A trilha passa a ser quase uma estrada, com mais ou menos três metros de largura...
>A luz do sol penetra em lugares específicos, então a iluminação dá ao lugar um ar meio que cinematográfico...
>Não há bambuzinho, não há teia de aranha, não há raízes pra passar por cima ou por baixo...
>As árvores são altas e de copa alta também, o que facilita a visão de uma distância muito boa dentro da mata.


Caçamba, só faltava duas dúzias de Orcs entrarem atravessando tudo correndo atrás de nós, e cada um de nós estar portanto respectivamente uma espada, um machado e um arco e flecha, e estaríamos no elenco de Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel. Cacete que trecho lindo da trilha...

Pena que dura pouco o encanto, esse trecho dura uns cem metros em linha reta, é uma parte baixa na trilha, é preciso descer um pouco e subir do outro lado onde o encanto acaba. Mais acima a trilha fecha mais, volta a ser normal, mas continua muito bem marcada, limpa, só normal, perdeu a graça rs. Daí em diante é só pra cima e ganha altitude rápido já que ali se está bem próximo do topo, mas começa a fazer uma verdadeira casquinha do McDonalds (apelido mais que apropriado que o Tácio criou), a trilha roda e roda, roda tanto que se você for um montanhista rápido chegaria a ficar tonto. Fica meio chato isso.

Chegamos a 2.060 metros de altitude e saímos pela penúltima vez da mata, aqui há uma sessão de trepa pedra típico de proximidade de cume da grande maioria das montanhas da Mantiqueira inteira, e eu conheço muitas delas. O trecho dura pouco e logo chegamos a um lajeado de pedra com um totem bem grande que pediu por fotografias. Eu estava meio cansado, mas nada demais, conseguia mais ou menos acompanhar o casal até ali. Contornamos o lajeado pra esquerda, seguindo o padrão da casquinha do Mc, e entrando pela última vez na mata.

Mais alguns metros de subida e quando saí da matinha já atrás do Tácio e da Aline uns três ou quatro minutos cheguei ao cume onde eles já estavam com cadeira de praia, guarda sol, piercing pro alto e coquetel na mão. Caramba, que visual bonito dali...Nem sentei pra descansar, enquanto eles se bronzeavam eu comecei a andar pelo cume fotografando, fiz um vídeo, e fui até a borda procurando por vista do carro, se fosse possível é claro. E não é que dá pra ver? O carro estava a só 1.000 metros em linha reta de nós, mas 805 metros verticais abaixo. Isso em matemática pura, simples e chula resultaria em uma trilha contínua em linha reta de mais ou menos 40° de inclinação de 1km de extensão. Mas a trilha é longa, 6,2 kms até ali. Deu pra entender a casquinha?



Daí sim, sentei, relaxei, comi minha sardinha enlatada com molho de tomate, me hidratei. Estava tão relaxado que o cansaço e a anemia passaram longe e nem notei. Tácio e Aline fizeram seus lanches, batemos papo, mais fotos, daí sim resolvemos voltar. Nessa hora o Tácio disse: “O Bandeira está a 4.7 kms daqui, vamos tentar ir até lá, vc acha que dá?”. Nem pensei duas vezes, respondi: “Opa, vamos até lá, acho que rola sim!”. Foi assim que eu decidi, fui inconseqüente e descobriria isso pouco tempo depois, no meio do caminho.

Recolhemos nossas coisas e começamos a descer, passamos pelo zigue zague irritante, passamos pelo bosque incrivelmente bonito Sr dos Anéis onde o Tácio filmou e eu fotografei, chegamos ao trepa pedra, passamos, entramos, saímos, entramos, saímos da mata até o “Y” de novo. Pegamos em linha reta seguindo a crista em um descampado bem bonito, que segue semperteando os morros o tempo quase todo, evitando subir nos cumes e descer do outro lado. Passamos por uma rocha rachada ao meio de onde saía uma árvore, bem interessante. Dali em diante o cansaço me pegou. Foi como um “BUM!”, caiu. Acabou, zé finit, kaputt. Parecia que minha energia tinha acabado. Comecei a caminhar muito lentamente e isso só aumentou o número de vezes que Tácio e Aline precisavam parar pra me esperar. Tácio me perguntou: “O que você acha, quer voltar? Ainda falta 3.2kms”. Minha resposta foi engraçada e mais impensada ainda: “Tá louco?”, e ri. Aí a Aline se ofereceu pra pegar minha mochila, que mesmo leve fazia diferença, e eu aceitei, não é vergonha. O que eu posso fazer se meu corpo não acompanha minhas vontades? :P

Dali era só questão de tempo até eu chegar ao meu limite. Mesmo assim segui. Entramos em uma matinha, atravessamos, saímos do outro lado já de frente pro Morro do Tamanduá, uma linda formação rochosa com formato de mão. Ali já estávamos bem mais alto que no Papagaio, já que o topo do morro chega a 2.180 metros. A trilha fica mais erodida e atravessa outro descampado, passa por uma sessão pequena bem erodida e profunda, chega a outro descampado e vira a esquerda e onde há um pequeno trepa pedra até chegar a uma laje bem de frente pro topo do Tamanduá, já a 2.150 metros.

Ali paramos uns 2 minutos, bem eu 2 minutos e eles uns 7, pois me esperaram. Lentamente galgamos os metros finais até passar ao lado das rochas do Tamanduá, atravessamos aquela parte e saímos do outro lado, tendo uma visão curiosa, um muro de pedra. Mas que coisa, alguém fez um muro de pedra ali! Quando cheguei em casa pesquisei e encontrei uma informação muito interessante. O muro de pedra supostamente foi erguido 300 anos atrás por Jesuítas que freqüentavam a Serra do Papagaio, dá pra acreditar? O local tem até um nome, “Retiro dos Pedros”. História na montanha, tem coisa melhor pra mim? Não, não tem. Não sei da veracidade da datação dos muros, nem detalhes mais precisos, mas vou pesquisar com calma esses dias.

Descemos a pequena colina, erramos a trilha um pouco, voltamos, e subimos o trepa pedra do morrinho rochoso logo após o Tamanduá, onde há um bouquet natural de Hippeastrum morelianum, a linda flor vermelha normal de ser vista ao longo de toda Mantiqueira, em especial no Itatiaia. Quando cheguei no topo do domo rochoso, Tácio me esperava sentado olhando o Pico da Bandeira, já mais perto, enquanto a Aline tinha avançado mais pra avaliar a descida que estava adiante. Tácio me perguntou: “Olha o que falta, tá longe ainda, quer continuar?”. Avaliei, olhei e respondi: “Putz, ainda tem dois vales pra atravessar???”. Tácio confirmou e me disse que ainda faltava 2km em linha reta até o topo da serra. Então rapidamente respondi: “Cara, não dá mais, estou arrasado, vocês continuam e eu volto daqui, não vou sabotar o cume de vocês por minha causa.”. Era exatamente 14:30h.



Eu até conseguiria chegar lá, mas não teria forças pra voltar toda a trilha, afinal de contas estávamos fazendo o que ninguém faz, estávamos fazendo a travessia pra desfazer ela no mesmo dia, mesmo fácil, fica cansativo e muito. Eu tinha conseguido fazer mais ou menos 60% da distância entre o topo do Pico do Papagaio, que já estava longe olhando pra trás, e o Pico da Bandeira. Esgotei as energias, parecia que eu estava a mais de seis mil de altitude em hipóxia em uma pendente de gelo, cansado, com frio, e com fome. Meu corpo me decepcionou. Tinha que voltar, sem lanterna, sem comida extra, e tinha pela frente mil metros verticais pra descer distribuídos e cerca de 7.5 kms de trilha.

Tácio concordou, peguei de volta a mochila com a Aline, e seguiram em frente, eu comecei minha romaria de retorno. Como foi longa essa descida...

Olhei o que me esperava de retorno, e como eu desejei ter um pára-quedas...Pulava de qualquer encosta e chegava bem perto do carro e sem desnível pra descer. Fiz algumas fotos porque o importante é não deixar de curtir a vida na montanha, por mais adversa que ela se apresente. Comecei a voltar. Antes de nos separarmos, Tácio me disse que eles iriam o mais rápido que pudessem pra ver se me alcançavam na volta. Então resolvi andar bem, bem devagar, pra ver se eles chagavam e me faziam companhia. Estávamos em plena quarta-feira então não havia mais ninguém na trilha, só nós, isso é parado até demais. Pro meu estado de exaustão, até perigoso. Oras, a quem quero enganar? Eu não andei devagar propositalmente pra esperar por eles, andei devagar porque não tinha mais força mesmo! Ahahahaha...

Bom, na medida do possível tentei cobrir essa travessia mais rápido e aproveitar a luz do sol, e algum tempo depois, não sei quanto, cheguei ao “Y” pela terceira vez. Tomei a direita e peguei a trilha principal novamente em descida, a 1.980 metros de altitude. Nossa, eu estava acabado...Não sei como conseguia andar, creio que eu devia estar parecendo um morto-vivo me arrastando, já que eu não tinha nem força suficiente pra levantar as pernas apropriadamente, e por isso meio que arrastava os pés pela trilha movendo o sedimento do solo da floresta por onde passava. Subir uma raiz? Vixe, longo processo de licitação com coxas, quadríceps, cérebro e pulmões...

Lentamente fui perdendo altitude, que descia tão lentamente quanto meus passos de tartaruga já que a trilha é longa e perde altitude muito devagar. Depois de sei lá, o que me pareceu ser quatro dias e quatro noites, eu não pensava mais direito de cansaço, cheguei ao riacho da trilha. Lembrava-me de ter comentado com eles “olha que legal, um riacho bem providencial na metade do desnível de subida!” enquanto subia. Olhei meu relógio e estava a 1.800 metros de altitude, sentei e fiquei parado uns bons quinze minutos me refrescando com a água fresca, fazendo hora pra ver se eles chegavam, mas nada, eu não ouvia sequer passarinho, daí me lembrei que não tinha luz e recomecei a andar. Daí em diante comecei a contar metro a metro o desnível até o carro, que estava a 1.325 metros. Quando eu começo a contar os metros sei o quanto estou cansado, e eu nunca havia contado os metros no Brasil antes, nunca. Contei os metros no San Pedro de 6.145 metros onde estava sozinho e de bivaque e contei os metros no Sairecabur de 6.000 metros onde passei muito frio, aqui, nunca...

Já era 16:35h e a luz do sol era quase nula quando cheguei ao primeiro zigue zague, aquele que desce de frente pra parede do Papagaio. Ali eu sabia que estava perto, então tentei me apressar um pouco, pois logo depois dele tinha duas bifurcações e eu não podia me perder no escuro, não tinha lanterna! Na tentativa de me apressar escorreguei e caí sentado algumas vezes, mas nada sério, e assim fui meio que tropeçando e escorregando na trilha inclinada perdendo altitude. Passei pelas bifurcações já praticamente sem luz, com visibilidade de nada mais que cinco metros, e desci, e desci, até que cheguei na porteira que pulamos no começo da trilha. Ali sabia que era praticamente o fim!

Tudo que eu queria era sair da mata com luz do sol ainda e meio que consegui. Saí da mata onde já estava quase que totalmente escuro e cheguei no descampado que me separava do carro às 17:10h onde a luz era infinitamente mais forte. Ali, atravessei o mato rasteiro, ao invés de pular as cercas de arame farpado que não tinha força, eu passava por baixo que exigia menos energia, daí mais cinco minutos e eu cheguei no carro, onde eu literalmente caí no chão, me virei, tirei a mochila e fiz de travesseiro, deitei sobre ela. Senti frio, tirei meu fleece de dentro, vesti, e voltei a deitar. Depois descobri que quando me joguei sobre a mochila quebrei meu julbo.

Passou exatamente 25 minutos e eles não chegavam, então me levantei e comecei a andar em direção a estrada pra tentar ver se eles chegavam, foi aí que o Tácio me disse “E ae!” já em total escuridão. Entramos no carro e voltamos apressados pra pegar a janta na pousada que só ficava disponível até 19:30h. Eu estava tão cansado que nem participava das conversas direito, dava respostas monossilábicas, me limitava a isso. Depois de dez minutos eu simplesmente nem falava mais ahahahahahah....

Acabou que o desnível total e distância acumulados pra nós ficou assim mais ou menos:

Parofes:
Distância percorrida entre subida e descida: 15.4kms.
Desnível acumulado de subida e descida: 1.015 metros de subida, mesmo pra descer.

Tácio e Aline:
Distância percorrida entre subida e descida: 20,5kms.
Desnível acumulado de subida e descida: 1.420 metros de subida, mesmo pra descer.


Eu sei, o meu não impressiona muito, mas vai mostrar isso pra minha hematologista pra ver o que ela vai falar, provavelmente vai me dizer “Tá tentando se matar seu idiota, pra que vem nas minhas consultas então?!” rs. É sério, eu não deveria, nunca, ter seguido adiante. Deveria ter descido do Papagaio mesmo pro carro. O certo mesmo seria nem ter subido até o topo dele com 800m de desnível. Forcei meu fraco e profundamente anêmico corpo ao limite.

A aventura poderia ter tido um final trágico, eu poderia ter apagado na trilha sozinho durante o retorno e não teria ajuda por pelo menos uma ou duas horas. Eu poderia ter sofrido algum ferimento, um corte mais profundo durante uma queda por desequilíbrio já que estava tão cansado, e de fato caí algumas vezes, por sorte não me cortei. Problema sério seria, pois com as plaquetas baixas como estão, eu poderia perder muito sangue.

Aprendi a lição, vou ficar quieto em casa, não vou sair de casa pra nada com mais de 500m de desnível pra não forçar mais, preciso me recuperar e cuidar da minha pele, afinal de contas ela cobre meu frágil e falho corpo.

Voltamos á cidade, comemos e encontramos outra pousadinha pra dormir, a Pousada Ajuru, boa também, mas perde no café da manhã que é muito fraquinho. Saímos cedo e pegamos a estrada alterando o retorno, seguindo rumo a Fernão Dias. Olha, foi uma ótima decisão já que inesperadamente passamos por uma plantação de Girassol e isso significou estacionar e passar meia hora fotografando! Tácio parecia uma criança se divertindo já que era vontade dele fotografar girassóis fazia dez anos, baita sorte!

Daí seguimos o retorno só parando pra almoçar no caminho e pra comprar uns quitutes em uma loja que ele sempre freqüenta, e em seguida chegar em São Paulo pra todo trânsito maligno e inacabável da maior metrópole da América do Sul.

A viagem foi muito proveitosa, finalmente chegamos ao topo da Mitra do Bispo e do Pico do Papagaio, que adiamos por anos só porque havia coisa mais importante na lista de prioridades, e agora com a lista praticamente acabada, é hora de buscar novas montanhas...

Bem, hora de descansar.

Abrazos!

Parofes

Para ver as fotos e relato do Tácio, acesse:
Aqui vão as minhas fotos:

Tácio fotografando o Papagaio
Mula e o Papagaio
Parede do Papagaio desde a trilha
Trilha muito agradável...
Orelha de pau gigante!
Que trilha incrível!
Totem e Morro da Bandeira ao fundo
Parofito a 2.105 metros
Nós três no topo do Papagaio
Na travessia, me arrastando pra chegar ao Tamanduá, já perto
O muro de pedra, incrível...
Tácio me esperando ali em cima
Adeus aos meus parceiros, hora de voltar sozinho
Tudo que eu tinha que voltar sozinho, descer pela direita onde está o descampado enorme, e contornar a montanha inteira
Girassóis...
Close em um Girassol com uma abelha nele
Tácio no Parque de diversões.

É isso aí, até a próxima! Parofes

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Retorno à mantiqueira pt1: Pico Mitra do Bispo - 2.200m

O Pico Mitra do Bispo é uma montanha pouco conhecida, menos ainda frequentada. Buscando na net ha anos só encontro um, apenas um relato de trekking até o topo da distante montanha, e isso só me apeteceu mais. A vontade cresceu desde 2009 e em 2010 quando eu, Tácio e Victor Carvalho vimos a montanha desde o topo do Pico do Garrafão perto do município de Aiuruoca. A Mitra do Bispo desponta com destaque do solo como um vulcão pontiagudo sendo facilmente identificada a dezenas de quilômetros de distância.

Cheguei a tentar marcar com o colega Felipe de Itanhandú pra fazermos um ataque, mas a agenda nunca batia. Eu e Tácio tentamos programar também por algumas vezes, mas como sempre o tempo muda, imprevistos acontecem, problemas de saúde rolam, e sempre acabamos adiando. Dessa vez melhorei e assim que o Tácio voltou da Serra Fina mandei e-mail dizendo "cara, vamos logo senão acaba não rolando nunca". Ele já tinha programado repetir a Marins Itaguaré com a Aline mas pra mim não daria pra encarar a travessia e depois a Mitra, minha resistência tá muito baixa, anemia profunda, não posso me cortar nem nada disso, então estou quase uma moça...

Combinamos que eu encontraria o casal em Cruzeiro na segunda-feira dia 23 de julho, a previsão prometia sol então não dava pra perder, já que as referências que tínhamos pra Mitra eram poucas, a orientação visual torna-se metade da estratégia. Bem, pra resumir, o único relato que encontramos na net sobre a Mitra do Bispo é do Ronald, montanhista da antiga que não conheço pessoalmente, mas que me passa um semblante de gente muito boa. Ele foi lá em 2008 exatamente 4 anos atrás, no mês de julho. Foi muito detalhista no relato que ajudou bastante. Fica aqui nosso agradecimento ao Ronald Colombini, mesmo que tenhamos feito uma rota diferente. Até creio que o nosso camarada figuraça Jorge Soto já foi lá, mas como são muitos relatos gastei um tempão procurando e não encontrei, mas creio que ele já foi.

Bom, depois de quatro horas e meia de ônibus cheguei em Cruzeiro e encontrei Tácio e Aline, fomos antes de mais nada almoçar pra depois procurar as estradinhas de terra pra chegar na base da montanha. O almoço foi bom e barato, depois voltamos pro carro e zarpamos rumo ao desconhecido.

Chegar a Alagoa, município de onde fica a Mitra do Bispo, já é complicado. Se não me engano são cerca de 65kms de estrada de terra e em algumas partes, de péssimas condições, principalmente quando ela passa bordeando a Serra de Santo Agostinho onde fica o Pico de mesmo nome, mais popularmente conhecido como Pico do garrafão de 2.394 metros. Ali a coisa é feia, inclusive ano passado quando passamos lá presenciamos a força da natureza, só 3 semanas antes tinha acontecido uma série de deslisamentos de terra iguais aos que aconteceram no Rio de Janeiro, mas não causaram mortes pois foram no vale ao lado da estrada, completamente desabitado e selvagem.

Começamos na estrada por volta de 14:15h e só fomos chegar em Alagoa por volta de 17:20h, pra vocês entenderem como a cidade é meio que isolada do mundo. Felizes são eles...Chegando em Alagoa começamos a pedir informações, pergunta aqui, pergunta ali, sempre pra um pau de arara na beira da estrada, e depois de algum tempo conseguimos duas pessoas que falaram o nome de outras duas pessoas e que coincidiu: Betinho e Vivian. Bastava seguir na mesma estradinha de terra em que estávamos que chegaríamos lá depois de mais quatro quilômetros.

Nesse momento tínhamos 90% de certeza de estarmos no local certo onde o Ronald descreveu, uma subida mais forte de carro que terminava em um ponto onde uma estrada a direita subia pra outras casas. Ponto de parada pra iniciar o trekking na crista a esquerda que visivelmente seguia diretamente ao colo entre a Mitra do Bispo e o pico vizinho chamado Pedra da Campina que tem quase a mesma altitude da Mitra em si, sendo pouco menor, cerca de 50 metros verticais.

Mas, depois de escutar de duas pessoas diferentes que a trilha saía da propriedade da Vivian cujo caseiro Betinho sabia onde era, nos animou em arriscar a nova informação. Bom, chegamos na tal da propriedade e de cara fomos recebidos pelo Betinho. De meia idade e com todo aquele sotaque que eu adoro do sul de Minas, é preciso prestar muita atenção ao que ele falava porque senão você literalmente não entende nada. As vezes, juro, não entendi uma palavra, mas concordei e dei um sorriso! Ele confirmou que conhecia o caminho pra Mitra e que nos mostraria sem problema, que nos levaria lá.

Que ótimo! Na propriedade que ele fica trabalhando como caseiro, a vista da Mitra é muito próxima e muito imponente, lembra muito um vulcão cônico, se fosse nevada, lembraria um vulcão patagônico já que a altitude é similar. Perguntamos se poderíamos acampar ali já que na entrada da propriedade há um descampado bem plano de cerca de 600 metros quadrados, bem grande, mas ele insistiu que ficássemos na "casinha branca". Insistiu tanto que concordamos. voltamos pro carro e seguimos mais cem metros na estradinha até pararmos o carro bem na frente da casinha que tinha até cerca.

Começamos a nos acomodar e daí mais uns dez minutos o Betinho voltou com velas pra nós, já disse mil e uma vezes, mas digo novamente, adoro o povo do sul de Minas Gerais! O calor humano é sensacional, receptividade, hospitalidade, generosidade...Até nos mínimos detalhes. Antes de irmos o Tácio entrou em contato com a Prefeitura e a resposta por e-mail foi regada a cordialidade.

Arrumamos a comida, jantamos e passamos algum tempo lá fora enquanto o Tácio fazia fotos noturnas e eu tentava fazer. Depois nos acomodamos. Tá pensando o que? A casinha tinha três quartos!

A noite foi bastante tranquila, dormi relativamente bem, no chão de cimento a coluna fica 100% reta então foi terapêutico dormir assim. A medida que foi amanhecendo a luz penetrava na casinha por todos os orifícios possíveis, e por causa disso acordei cedo, pouco antes das seis da manhã. Levantei, aliviei a bexiga, fiquei lá fora caminhando e aproveitei o alpenglow pra fotografar a luz do nascer do sol sobre uma colina próxima á casinha. Aliás, descobri que da casinha tínhamos uma visão privilegiada da Mitra bem próxima, cerca de quatro quilômetros em linha reta. Lindíssima, edificando-se como um vulcão próximo, muito próximo. Não sabíamos dessa visão pois chegamos na fazendinha a noite já.

A hora foi passando e resolvi tomar café da manhã, fiz um miojo de pizza, comi bebendo suco de acerola com laranja, assim que acabei Tácio e Aline levantaram, mais preguiçosos e cansados, afinal de contas Tácio dirige o tempo todo e além disso acabaram de descer da Marins Itaguaré, que é uma travessia curta porém cansativa por ter trepa pedra o tempo todo, muito exercício respiratório, cardiovascular. Isso cansa.

Batemos o papo do café da manhã, e comentei com eles que eu precisava aliviar o intestino, mas que tinha medo de usar o banheiro da casinha e a descarga não funcionar, pegaria muito mal usarmos o banheiro e deixar um presente pro coitado do nosso feliz e sorridente anfitrião. Tácio me disse que estava pensando o mesmo, então fui do lado de fora cavar um buraco. Fiz meu serviço, enterrei, deixei quase imperceptível, e na hora que estava subindo as calças passou por mim uma cadelinha preta com o focinho coberto por espinhos de ouriço, muitos!

Na hora gritei "Ahhh não! Tácio me ajuda aqui!". Tácio veio e começamos a tentar ajudar a cadelinha, mas ela não deixava, sentia muita dor. Logo em seguida chegou um cachorro, o macho, que tinha menos espinhos no focinho, mas tinha muito mais nas patas dianteiras. Mas ele praticamente pedia ajuda, chegava perto de nós e se deitava, e a cada espinho que tirávamos um choro alto ecoava na manhã tranquila do campo. Eu nunca havia visto algo assim antes, o espinho de Ouriço é muito, muito grande. Alguns tinham em torno de 6 cms de comprimento, e eles entraram no cachorro em capacidade de 50%. A espessura é igual a de um palito de dente pros maiores, então é um ferimento que sem dúvida deve causar muita dor, agora pra entendermos o sofrimento dos bichanos, basta multiplicar isso por dúzias de furos.

Esse macho sofreu conosco, havia um espinho logo abaixo do olho dele, muito próximo, mais ou menos 1 cm abaixo da pálpebra inferior, e quando fiz força pra ele sair, pois já estava coagulado, ele saiu de uma profundidade de quase 3 cms. Se fosse no olho, teria cegado o cão. Sangrou bastante, então comecei a me cagar de sangue. Gritamos pra Aline trazer uma pinça e a câmera pra registrar, por sorte ela tinha uma pinça e isso facilitou pra tirarmos os espinhos que estavam nos lábios do macho, a fêmea sentou próxima a nós encostada em uma árvore, ficou quieta, mas não nos deixava chegar perto.

E assim o tempo foi passando, conseguimos tirar todos os espinhos nas patas, todos nas bochechas, e quase todos nos lábios, ficaram 2 ou 3 só pra conseguirmos tirar todos dele. Um nos impressionou: Quando pincei o espinho e fiz força, vimos que ele havia atravessado o lábio do coitado e estava livre do outro lado, no interior da boca, como um piercing de língua. Por uma fração de segundos vimos ele sair atravessando o lábio de lado a lado, e olhamos um pro outro e dissemos "Cacete, tu viu isso?!".

Deduzimos que eles ficam implicando com Ouriços o tempo todo, já que a pretinha que literalmente tinha uma barba de espinhos parecia não se preocupar muito, estava bem tranquila, não chorava, e não pedia pela nossa ajuda como o macho pediu. Então deixamos ela de lado, mas tiramos 99% do que afligia o macho. A julgar pelos ferimentos, ambos tentaram morder o bichano e deu no que deu.

Depois de cerca de quarenta minutos nos preparamos e fomos embora rumo ao nosso objetivo. Mas antes de sairmos vi o casal grudado depois do coito. Mas que coisa, nem se preocupavam com os espinhos! Ela já nem ligava mesmo e ele, relaxado com praticamente tudo removido, mandou ver na esposa...rs. Encontramos o Betinho e ele nos levou até a trilha. Pra nossa surpresa, é bem visível saindo da estrada mesmo cerca de 1,5 kms antes de chegar a fazendinha. Betinho continuou conosco subindo a trilha que é bem, bem batida e erodida. Até porque a trilha meio que faz um atalho até uma outra casinha que fica entre duas cristas. Pensamos que ele só nos mostraria onde era a trilha, mas seguiu conosco pelo menos uns 2kms de trilha, até chegarmos na cota dos 1.800 metros de altitude, em uma segunda porteira, ali ele se despediu de nós e voltou, nós seguimos pela trilha batida atravessando até a segunda crista, uma que vimos na estrada que literalmente terminava na face rochosa da montanha, que já se agigantava diante de nós.



Até chegar na segunda crista e fazer um contorno a trilha seguiu muito bem marcada, depois ela meio que desaparece na mata mais alta composta de árvores meio secas pelo inverno e mato rasteiro, fácil de se orientar. Então fizemos o caminho óbvio subindo a crista. Logo em seguida, uns duzentos metros a frente, reencontramos a trilha que ficou bem definida novamente, em um ponto em que ela fica bem inclinada dentro da mata. Ali já estávamos a 1.950 metros, e continuamos subindo a trilha que demonstrou não ser utilizada fazia tempo, já que tínhamos que limpar o caminho de bambuzinhos e arbustos jovens que cresciam na trilha. Em um determinado tempo a trilha ficou bem inclinada, uns 30° ou 35°, então ficou mais cansativo pois escorregar era fácil, pelo menos dava pra se segurar nas árvores. Daí, quando pensávamos que a trilha viraria para a esquerda levando a crista que liga as duas montanhas, ela literalmente acabou na parede rochosa.

"E agora? Vamos tocar pra cima daqui!". Seguimos dali mesmo tocando pra cima no escala mato, trepa pedra. No começo foi fácil, mas depois inclinou mais e estávamos praticamente escalando em rocha solando. Eu olhei pro lado adrenado e notei que só dois metros a minha direita a inclinada parede era quase vertical, uns 75°. Porra! Não podíamos errar ali, uma queda e dava pra se quebrar todo até parar na crista. Na metade do caminho cruzamos com uma cantoneira fixada na rocha, que prova que pelo menos tentaram fazer uma via de escalada ali, mas não encontramos nenhum grampo no caminho, talvez a vegetação de musgo tivesse coberto os grampos, vai saber. Progredimos sem grande dificuldade, mas bem adrenados, usando até raiz e musgo molhado pra se ancorar antes de fazer força de impulso pra subir a perna. Além de todos esses problemas a parede é cheia de caraguatás, então precisávamos evitar também os espinhos.

Esse lance sinistro durou uns 45 metros verticais, foi muito exposto e ficamos felizes em entrar em um vara mato chato logo acima, já no domo do cume da montanha. Eu já estava ofegante, cansado por causa da anemia profunda, mas não me rendi. Seguimos sempre nessa ordem, Tácio na frente, Aline atrás e eu por último. Assim que terminou o vara mato estávamos no cume que infelizmente é florestado, não há vista. Antes de procurarmos por vista e de fazer fotos descansamos e respiramos depois da subida tensa, fizemos um lanche, descobri que o meu gatorade vazou dentro da mochila e fez um estrago, além de nos deixar sem o precioso isotônico lá em cima.

No cume há um pequeno acampamento, tipo girau, que provavelmente é utilizado pra colocar lona. Cabe confortavelmente duas barracas, apertado três barracas pequenas. Não sei não, me parece mais acampamento de caçador do que de montanhista. Uma fogueira arrumada demonstrava desuso por bastante tempo. Depois de uns cinco minutos fizemos as fotos de cume, vídeo, e buscamos por vista pra fotografar, e há uma série de trilhas só pra vista mesmo por causa da vegetação no topo em si, que medimos ter exatos 2.200 metros, 50 metros maior do que a altitude nominal que se encontra na internet.


Vídeo do cume by Tácio Philip

Depois de uns vinte minutos no topo, nuvens começaram a se aproximar e me preocuparam, ao Tácio também, então começamos a buscar por uma outra rota pra descer, já que nenhum de nós três se sentia confortável em descer por onde subimos por ser muito exposto, e além disso, pelo fato de que durante a subida nós mesmo fragilizamos os matos mais fortes onde seguramos, e isso diminui a resistência deles pra outro uso só uma horinha depois, ou seja, não se pode confiar no mato que se usa pra escalar na subida. É bem perigoso.

Procuramos, Tácio que ainda tinha algum nível de conformismo e disse pra descermos pelo mesmo lugar, mesmo estando também desconfortável com a idéia de descer pela parede, vasculhou o gps, tentamos uma decida frontal, mas ficou vertical demais e voltamos, apontei pra uma crista lateral bem, bem próxima, mas apesar de ser bem sossegada, seria fogo varar 1km de mato até chegar a trilha que estávamos, nem tentamos, daí depois de perder uns quarenta minutos decidimos arriscar a descida perigosa por onde subimos. Lá fomos nós. Dessa vez Tácio na frente, eu no meio e Aline por último. Acabou que tudo rolou muito mais sossegado do que esperamos, adrenamos e sofremos por antecipação, o mato segurou bem e descemos conseguindo escorregar na bunda, mesmo que isso significava estar praticamente de pé por causa da inclinação da parede.

Chegando na trilha respiramos, ufa! Dali foi um passeio até chegarmos na fazendinha de novo. Nosso tempo total foi de 2,5 horas de subida e 1,8 horas de descida para um total de só 7kms de trilha entre ída e volta. No final chegamos à conclusão de que a Mitra do Bispo não é difícil, mas não é de graça, pelo menos não pela rota que fizemos. Aliás, não foi a mesma do relato do Ronald, que de acordo com suas palavras subiu pela crista ao lado, que leva ao colo entre a Pedra da Campina e a Mitra, onde levaram só vinte minutos até seu cume.

Lá chegando o cansaço me pegou e fiquei um pouco pra trás do Tácio e da Aline, mas estávamos felizes, finalmente culminamos uma montanha nacional praticamente esquecida pelo montanhismo, de altitude bem legal (2.200 metros) e por uma rota que não é a tida como "normal" da montanha, sem nenhum equipamento de segurança.

Tiramos uma foto com o Betinho, arrumamos tudo no carro e pegamos a estrada, dessa vez cortando caminho sem precisar voltar por Alagoa, seguindo uma estradinha indicada por ele. Nosso objetivo, a Serra do Papagaio no município de Aiuruoca.

Mas isso eu conto na segunda parte do relato, a Mitra merecia um relato próprio, sonho de pelo menos três anos meu e do Tácio.

Fotos:


Primeira vista da Mitra

Ao lado da Mitra

Mitra desde a casinha branca

Plantão médico: Tácio e Parofes

O coito canino hehe

Começando a subir

Galhos secos e a Mitra

Tácio, Aline e o Betinho!

Chegando na crista final

Escala mato

Escala mato onde deu pra fotografar

Altitude no cume da Mitra do Bispo

Foto de cume: Tácio, Aline, Parofes e parofito!

Buscando uma descida alternativa

Na estradinha secundária já admirando a Serra do Papagaio...


Até a próxima.

Parofes