terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Impressões equatorianas

Carimbo que faltava em meu passaporte, o Equador, país que não faz fronteira com o Brasil, me mostrou o que eu já esperava: Semelhanças incríveis com outros países de nossa América do Sul. Vou falar um pouco sobre isto e o andinismo no país.

Bem, cheguei ao Equador com sonhos audaciosos mas nada impossíveis. Bastava o tempo ajudar e eu teria cumprido com tudo, mas montanha envolve disso. Derrotado duas vezes no Cotopaxi e duas vezes no Illiniza Norte, ganhei tempo de sobra pra refletir e fazer uma coisa que eu sou muito bom em fazer, observar e construir conhecimento de uma modalidade de História não muito popular dentro do meio acadêmico, a História Comportamental, de mentalidades.

Assim sendo, fiz uma série de observações e de acordo com isso fui organizando anotações com intenção de desenvolver este texto, passando um espelho de como é o Equador e a população equatoriana, dos andinistas que vivem, escalam, e guiam por lá, além do perfil dos alpinistas que tomam emprestadas as grandes e belas montanhas do país para experimentar (grande maioria) algo maior que cumes europeus e norte americanos limitados aos 4000 metros.


Povo Equatoriano

Lembraram-me muito os bolivianos. Não semelhança antropológica mas de caráter e uma característica que pensei ser exclusiva dos bolivianos: multi-profissionalismo. Quem já foi confirma, na Bolívia todo mundo é multi-profissional e faz qualquer negócio por dinheiro pra sustentar sua família. No Equador não é diferente, entretanto mais restringido. Várias pessoas possuem mais de um emprego, ou bicos, e necessitando de um outro por um trocado extra são “pau-pra-toda-obra”, não negam fogo. E isso não fica somente em classes desfavorecidas não, mas é bem distinto entre cidade grande (onde a força de trabalho é formal portanto um emprego em horário comercial) e pueblos (onde mesmo um bom emprego não impede de correr por um extra, talvez por falta de fiscalização, olho grande, ou pura necessidade por má remuneração). Exemplo: Em Lloa paguei por transporte até o Guagua Pichincha ao delegado da cidade. DELEGADO. Não era um policial qualquer. Vestia um terno e dirigia uma Vitara!

Nos pueblos a fisionomia é andina e vida também (índios de cabelos lisos, vida essencialmente rural), na cidade grande a moda, bebedeira e baladas reinam livremente.

Reuniões sociais nas praças e parques de Quito são muito comuns, e nelas as pessoas (predominantemente homens) jogam jogos de tabuleiro, volei, futebol, bolas de gude, todos juntos. É bastante interessante observar os costumes.

Uma coisa que se nota de diferença gritante entre nosso país e o Equador: Aqui no Brasil quando não se mora em uma cidade grande como São Paulo, ou Rio de Janeiro, ou Curitiba, Belo Horizonte etc, se mora em cidades de interior. Na cidade grande ou no interior o tráfico de drogas e a tecnologia estão presentes e não há escapatória. Por mais diminuta que uma cidade seja a desgraça encontra seu caminho (em 30 de janeiro de 2011 vi no Fantástico uma reportagem sobre venda de índias adolescentes pelas próprias mães no Mato Grosso do Sul, drogas e prostituição destruíram o meio de vida indígena que, como já falei antes aqui e em outros lugares, no Brasil está meio que acabado. A vida indígena brasileira foi “institucionalizada”, modernizada, atualizada).

No Equador é diferente. Lá (assim como em outros países sul-americanos) as cidades de interior se chamam pueblos, e nestas cidades as drogas não chegam, a vida é essencialmente rural. Algumas delas sequer tem energia elétrica. Todo dia de manhã o ovo é fornecido pela galinha, e o leite pela vaca. A carne vem da llama e as roupas são artesanais. O arroz é andino (Quinua), o milho é colhido no quintal de casa (choclo). Isso é um exemplo de coisa que falta ao Brasil. Melhor, está em extinção. Viver em lugares longínquos e sem adventos simples da tecnologia moderna criam uma certa barreira contra os maus que o próprio homem criou, salvando, mesmo que por enquanto, estes povos dos pueblos. Até quando?

A Dolarização no país

Desde março de 2000 que o país abandonou sua moeda Sucre, adotando o dólar americano como moeda corrente. Manifestações sem precedentes não foram suficiente para deter as medidas de Noboa, presidente do país na ocasição.
Perguntei pra algumas pessoas como foi a transição, e o melhor tipo de gente pra se fazer isso obviamente são taxistas. Assim como aqui em nosso país, sempre são um pouco politizados e gostam de conversar sobre seu país e são curiosos sobre o país dos outros, especialmente hermanos como nós.
O que escutei mostrou uma falta de planejamento tremenda: Assim que foi decretada a mudança da moeda, notas foram trazidas dos EUA para o país (o que aumentou mais e mais a dependência equatoriana em relação aos yankees – comércio, acordos, importações e exportações, empréstimos – dívida externa). Porém, ninguém teve a brilhante idéia de trazer também moedas. Só foram trazidas e impressas cédulas!!!

O que aconteceu foi um tremendo salto na inflação, vez que o pãozinho que custava o equivalente a cinco centavos de dólar passou a custar 1 dólar; um litro de leite que cutava o equivalente a 30 centavos passou a custa 1 dólar; um punhado de frutas no mercado popular que custava o mesmo que 50 centavos de dólar americano passou a custar 1 dólar. Tudo isto porquê a menor cédula existente era a de 1 dólar! Que absurdo...

O problema só foi resolvido 18 meses mais tarde com a chegada de moedas, moedas estas que desapareceram na sua maioria dos EUA, que foram repassando ao Equador moedas que iam sofrendo modificações de modelo ficando obsoletas. Ainda hoje se vê americanos no país, turistas, se divertindo ao ver moedas que não viam há pelo menos uma década.

É no mínimo estranho ouvir o povo equatoriano dizendo a palavra “dólar”. Não soa bem.

Segurança no Equador

Assunto delicado como em todo lugar. Para turistas, é precária com a colaboração dos locais, explico.
Durante as 3 semanas que passei por lá, escutei quatro relatos de quatro pessoas diferentes e países diferentes que foram roubadas e perderam tudo, desde o mp3/ ipod até o passaporte e a câmera fotográfica.
Táticas comuns no Equador:

Pickpocket, a mesma que eu sofri em Roma. Lá é comum em ônibus lotados.
Navalha na mochila, não é nada seguro viajar com mochilas em ônibus no Equador, seja uma viagem curta de um bairro pra outro, seja entre cidades. Sabe quando a gente decide ficar com a mochila de ataque na mão com as coisas mais valiosas como laptop, máquina, celular e documentos? Lá isso é pior. Seria melhor se a mochila estivesse no bagageiro junto com o mochilão. O que eles fazem é por debaixo do seu assento, cortam a mochila com uma navalha e retiram seus pertences sem que você note. Em um dos quatro relatos, a pessoa estava abraçada com a mochila e mesmo assim perdeu passaporte, câmera, ipod, cartões de crédito e cerca de 300 dólares em espécie.
Assalto, este conheço bem. Assalto a mão armada. Muito comum no centro de Quito. Domingos e feriados são dias de ficar enfurnado dentro do albergue por instinto de auto-preservação!

Agências, tours, escaladas, refúgios e equipamentos

O centro de Quito nova é regado de agências que organizam tours para montanhas, cavalgadas, Galápagos e se preferir só transporte, uma a cada esquina.
As mesmas agências fornecem expedições completas para escaladas inclusive combos de aclimatação e escalada nas principais montanhas procuradas: Cotopaxi e Chimborazo.
Se você não quiser uma expedição completa e apenas um guia, apenas contrate um transporte pra montanha desejada e fique no refúgio, lá encontrará pelo menos uma dúzia de guias com clientes, contrate o serviço e pague na hora.

A maioria das grandes montanhas equatorianas possui refúgio de pequena, média e grande capacidade. Chimborazo, Cotopaxi, Cayambe, Antisana, Tungurahua, e até o Guagua Pichincha contam com refúgios. O maior e mais impressionante é o Jose F Ribas do Cotopaxi que tem beliches para 86 pessoas, com locker individual que cabe sem exagero 3 mochilas de 90 litros cada. Em caso de super lotação, usando o chão e mesas para sacos de dormir, essa lotação sem dúvida cresce para 200 alpinistas!

Para equipamentos, muitas lojas vendem equipamentos para escalada mas nem todas de qualidade. Inclusive é complicado encontrar bujão de gás com rosca, muito usado por nós aqui no Brasil, tive que andar dez lojas até encontrar uma que foi cara, mas encontrei. A conhecida loja tatoo que existe no Perú e na Bolivia também é fantástica lá. Tem nada mais nada menos que 3 andares, mesmo sem equipamento é possível entrar na loja e sair pronto para uma expedição ao himalaia! Só um porém, o segurança da loja é meio “noiado” e fica perseguindo os clientes que entram e começam a ver as mercadorias. Entrei e me senti desconfortável, reclamei com a gerência da loja e saí.

Andinistas e guias equatorianos

Muito fortes, lembram muito os bolivianos. Caminham em alta montanha como se estivessem na praia em nível do mar, estão constantemente aclimatados já que guiam praticamente 4 ou 5 dias da semana. Alguns fazem cume no Cotopaxi até cinco vezes em uma única semana!

Em geral são muito divertidos, muito experientes e não trabalham sós, sempre para uma agência em contrato. Assim são meio que funcionários mas possuem certa liberdade de decisão. Todos se conhecem, todos já escalaram a grande maioria das montanhas de seu país. As maiores todas, as menores escolhem ou não conseguem por erupções vulcânicas.

Por exemplo, eu e Boris planejamos escalar juntos como parceiros o Tungurahua (5.021 metros, 10° ponto culminante do país) mas não conseguimos. Todo dia que pensávamos ir, uma nova erupção começava. Em 21 dias no país, o vulcão teve 6 explosões em seis dias diferentes, como pequenos alívios de pressão, com fluxo piroplástico de pequeno porte mas mesmo assim com temperaturas elevadíssimas de 200 a 250 graus celcius próximo à cratera, muito arriscado subir. É um dos vulcões mais ativos do país que fica em um pueblo chamado Baños, e em erupção contínua, com dias bons e ruins. Uma roleta russa. Boris nunca o escalou e tem o sonho de subir mas nunca rola quando ele tem tempo disponível.

Escaladas no exterior: Não são todos os guias que são andinistas, alguns fazem só como profissão, outros fazem por extensão à paixão pelas montanhas como o Boris, que já fez diversos cumes nos andes, nos Estados Unidos (onde morou por 7 anos), alguns na Europa. Estará de partida para a polacos em mais uma ou duas semanas mas já fez cume no Aconcágua pela normal.

O máximo que alguns guias fazem por treinamento é atravessar até a Colômbia e Perú, vizinhos do norte e do sul, para treinar nas Sierras colombianas ou em Huaraz no Perú, viagens curtas mas que proporcionam experiências boas aos guias.

Os alpinistas de fora no Equador, estrangeiros como eu

É meio triste notar que, o pessoal de fora que visita o Equador, em uma variedade de nacionalidade incrível, sempre chega por lá cego pelo Cotopaxi e Chimborazo e só isso.

Cruzei nas montanhas com muitos norte-americanos, australianos, austríacos, polacos, alemães, espanhóis, eslovacos, portugueses, holandeses, sul-africanos, canadenses, franceses, tchecos, e tantos outros que nem me lembro mais. Sempre o perfil de objetivos é o mesmo, as duas mais altas. Um ou outro diz que vai ao Cayambe ou ao Antisana, montanhas mais perigosas e mais técnicas, que estavam na minha lista de objetivos e que nem pude tocar por causa da gripe que me pegou na semana que o tempo ficou límpido no país.

Os piores são certamente os norte-americanos, franceses e polacos, que não sabem reconhecer as condições adversas e saem pro cume mesmo quando uma tempestade terrível ataca do lado de fora da proteção das paredes e rochas de um refúgio. São cegos pelo cume, não importa a escalada, como chegam lá, se tem risco de avalanche, topam qualquer negócio.

Na minha segunda tentativa observei isso, e já havia notado esse comportamento antes em outros países. O tempo estava péssimo do lado de fora do refúgio, mau dava pra abrir os olhos de tanta nevasca que descia em ângulo de 60° por causa do vento cortando o rosto como navalha. Mesmo assim forçaram seus guias a saírem e voltaram tão logo chegaram na linha do glaciar, onde o frio e o whiteout chegaram ao patamar de insuportável, e voltaram semi-congelados.

Na maioria arrasadora pagam por escaladas guiadas, inclusive fecham pacotes com montanha de aclimatação (Rumiñahui – dentro já do “parque” do Cotopaxi), Cotopaxi e Chimborazo.

Os “parques nacionais” do Equador

Muito me lembram o nosso país, desafortunadamente é claro. Os parques nacionais do Equador só existem mesmo no papel, na guarita, e no comprovante bonitinho que te entregam quando você paga os dois dólares de taxa na entrada. Servem pra dar emprego a meia dúzia de coitados que ficam na guarita todo dia recolhendo as moedinhas.

Dentro dos parques, ao contrário do que se espera, existem propriedades privadas com casas, hospedarias (exemplo: Tambopaxi dentro do parque do Cotopaxi), e até mesmo plantações: Extrativismo de madeira. Pinheiros e eucaliptos.

Os parques são repletos de lixo por todas as estradas ou trilhas que passam dentro dos limites, e o único ponto positivo que pude notar são as sinalizações, bem localizadas.

Um exemplo: Conheci o dono do refúgio dos Illinizas, que também é um parque nacional. A propriedade é privada, o faturamento vai pro bolso dele. O governo só vê uma pequena fatia no final do mês pois ele sonega imposto sem entregar o recibo a quem dorme por lá, disse que “alega que a maioria acampa ao lado do refúgio”. Mas ele não conta que ganha dinheiro até mesmo de quem acampa, cobrando uma quantia “simbólica” de cinco dólares. Dormir no refúgio custa algo em torno de doze dólares, não sei pois não perguntei e não usei o refúgio.

Acredito que o correto seria a renda do refúgio pagar o funcionário que fica por lá e só isso, o resto deveria ser pra manutenção do próprio refúgio e de manutenção do parque, das trilhas, limpeza e eventualmente alguma bem-feitoria pra educação local. Isso não acontece.

Bem, acho que é isso. Espero ajudar quem deseja conhecer este belo país! Não se preocupe com os pontos negativos, são fáceis de contornar. Existe problemas no Equador assim como existe aqui, nenhum país é “quase perfeito” como a Noruega. Em alguns pontos o Equador perde pro Brasil, em outros ganha. Mas enfim, essa é a vida moderna como a conhecemos...

IMAGENS DO PAÍS:





























Abrazos a todos,
Parofes

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Final de semana na praia, Itanhaém

Aproveitando a carona pra ir e voltar da sogrinha, eu e lili fomos no fds passado pra casa de praia em Itanhaém, fazia tempo que não íamos...

Algumas fotos do fds!


Pequena aranha no jardim da casa, 1 centímetro.



Sogro surfista!


Detalhes.



Abelha e flor no jardim de casa.


Flor.


Lesma no jardim da casa, 8 a 10 centímetros.


Nascer do sol 1


Nascer do sol 2


Nascer do sol 3


Nascer do sol 4



É isso aí!

Abraços a todos.

Parofes

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Persistência brasileira no Cotopaxi

Tentei uma vez e o tempo não ajudou, me fazendo voltar a 5.240 metros. Tentei uma segunda vez com previsão de tempo perfeita, mas o tempo não quis seguir o protocolo e não pude sequer sair do refúgio, pois nevava forte e havia uma fina camada de verglass do lado de fora do refúgio. Novamente, todos que ousaram sair voltaram. Alguns dias se passaram e acabei decidindo por subir de novo ao ônibus até o parque, não podia voltar do Equador sem ver esta cratera!

Eu sei, eu sei, enganei todo mundo com essa. Aposto que todos os amigos e leitores pensaram que eu não tentei o Cotopaxi de novo e por isso perdi a escalada e, por conseguinte o cume, mas eu voltei no dia 14 de janeiro disposto a jogar minhas fichas, com uma gripe forte e com uma faringite braba.

Aborrecido, derrotado pela imprevisibilidade do tempo equatoriano, eu estava praticamente decidido a não tentar uma terceira vez, mas escutei e li alguns conselhos. Aquelas palavras de última hora que são gostosas de ler. Rob (Holanda – amigo do summitpost) me disse “Paulo, o Cotopaxi é assim mesmo, você precisa tentar uma terceira vez!” (olhei o livro virtual de cume do vulcão e ele mesmo tentou três vezes pra conseguir cume em dezembro passado). O Boris me disse para não desistir, tentar mais uma vez: “Paulo hermano, você não pode voltar pro Brasil sem escalar o Coto!”. Lili me disse pra não perder as esperanças também, me apoiando e dando força por e-mail.

O problema é: Depois de tentar o Cotopaxi pela primeira vez, tentei o Illiniza Norte também sem sorte. Fiz cume no Guagua Pichincha e tentei a segunda vez no Cotopaxi. Uma forte gripe me pegou resultando em uma faringite terrível. Além da gripe, não pude fazer o que quis no Cotopaxi que era acampar e não dormir no refúgio. A neve estava fofa, molhada, nevava sem parar e havia risco de avalanches (que mais tarde aconteceu). Má sorte com o tempo, má sorte com a saúde, má sorte com o terreno = psicológico abalado. Depois de bundiar no albergue só engordando, e refletir um bocado, já de tarde no dia 13 de janeiro levantei e disse a mim mesmo: “Quer saber, vou tentar uma vez mais!”. Chega de sentir pena de si próprio!

Fui ao mesmo lugar (agência Gulliver) e consegui transporte pelos mesmos vinte dólares até o estacionamento, de novo, a 4.550 metros. Sairia de Quito na manhã de 14 de janeiro. Voltei ao albergue tossindo, escarrando pela rua, com o psicológico completamente renovado. É engraçado como “o amor pela montanha move montanhas”. Preparei as mochilas, separei tudo, deixei o que pude no locker do albergue e fui dormir cheio de esperança. Acordei cedo e saí pra esperar o micro-ônibus. Enquanto esperava acabei conhecendo um grupo de brasileiros (Luana Gouveia, Rafael Maccheri, Samantha Vasques e André Taka) que me reconheceu de nome por causa do mochileiros.com, comunidade do orkut onde eu moderava e dava dicas, além do próprio altamontanha. Batemos um papo e subimos no ônibus com tempo promissor, céu azul imaculado. Assim que eu subi no ônibus escutei meu nome: “Paulo?!”. Era o Pedro, guia local que conheci enquanto tentava o Illiniza Norte, ele guiava um pequeno grupo na ocasião, e estava no ônibus na mesma posição (guia turístico) que ocupava na minha segunda tentativa no Cotopaxi. Isso significou brincadeiras sobre minha má sorte, mas também muito desejo de sorte pra esta tentativa, que prometia pelo tempo perfeito. Muito bom, uma cara familiar para a viagem seria legal.

Seguimos pra estrada. O tempo estava inacreditável! Em minutos desfrutamos da primeira vista do Cotopaxi. De fato, minha primeira do vulcão! Um gigante branco repleto de cascatas de gelo, seracs e gretas. Meu coração palpitou...

Chegando ao parque o Pedro mandou o motorista parar na grande planície a 3.800 metros pra que todos tirassem fotos, com medo de nuvens se aproximarem e acabarem com a festa. Deliciei-me com as primeiras fotos e de cara uma panorâmica do vulcão.

No estacionamento nuvens chegaram e acabaram parcialmente com a vista, pensei nesta hora “de novo não...”. Todos desceram e começaram a caminhada até o refúgio já que fazia parte do pacote dos outros passageiros do ônibus. Pagaram por um tour no parque que inclui visita ao refúgio, almoço por lá e caminhada até o glaciar. Para mim, o serviço terminava ali mesmo no estacionamento. Peguei minhas duas filhas, joguei nas costas e comecei minha caminhada solitário, escutando no mp3 um pouco de Ozzy pra descontrair a carga pesada e a garganta cortante ressecada pela faringite e pelo frio.

Desta vez, apesar de gripado subi mais rápido ainda, só cinqüenta minutos. Deixei as mochilas na salinha de entrada do refúgio e entrei. De cara fui muito bem recebido por outros dois guias que me reconheceram também no ato, e depois outros. Todos sabiam que eu era o brasileiro solitário azarado com o tempo, e que aquela seria minha terceira tentativa no vulcão. Pronto, comecei a escutar várias piadas...O engraçado é que eles não conseguem falar Paulo, então todos me chamavam de Pablo sempre. Piadas e mais piadas...rs

Saí, céu limpo mais uma vez! Fiz mais fotos. Estiquei até o espaço indicado pra camping coberto de neve, geralmente é arenoso. Condições da neve: ótima! Não estava derretendo, não havia vento e raramente alguém passava ali, agora sim, minha casa própria móvel seria devidamente fotografada em um dos vulcões mais belos da América latina!

Voltei ao refúgio. Pedro e Luiz (outro guia que me conhecia já) me arranjaram almoço de graça, beleza! Enquanto almoçava e batia papo com todo o povo multinacional na mesa, escutei: “Parofes!” com sotaque gringo e muita empolgação. Era o Gavin. Estava com o seu grupo da Earth treks (http://www.earthtreksclimbing.com/): Tim, Stephan e Dan Jenkins. Este último, Dan Jenkins, parceiro e amigo de Chris Warner (http://highaltitudeleadership.com/pages/Chris_Warner_key_note_speaking.php), escalador norte-americano com várias ascensões inéditas no Himalaia, rotas novas e etc. Que legal! Conheci os caras, trocamos rápidas palavras já que estavam almoçando. Os quatro subiram liderados pelo Dan começando a uma da manhã, junto de um guia local.

De novo na mesa, terminei a refeição, recebi alguns desejos de boa sorte e segui meu caminho solitário até o campo nevado pra poder montar meu acampamento. Como o tempo estava bom montei a barraca com calma, aproveitando cada minuto daquele dia maravilhoso e divertido. Enfim, às 14:00h o acampamento estava pronto, o interior da barraca “arrumado”, e eu estava bundiando pra lá e pra cá.


Visual da minha barraca no Cotopaxi.


A 'arrumação' da barraca e vista exterior


A tarde passou rapidamente, esbarrei com o Boris no refúgio, nem sabia que ele estava lá guiando de novo. Rápido papo, pois ele estava ocupado com três clientes austríacos, parti pro meu cafofo e o conforto gelado exterior de minha barraca a 4.865 metros. Pouco depois de 17:00h derreti neve, fiz um chá e bebi, depois cozinhei a janta e comi. Fiz algumas fotos e me preparei pra dormir. Como subiria em solitário, não quis me despedir de ninguém, decidi deitar logo e dormir evitando assim formalidades.

Mesmo problema de sempre, não dormi merda nenhuma, nem um minuto sequer. O céu estrelado me chamava pra olhar o exterior da barraca e a paisagem sensacional. Escutando música comecei a rascunhar este relato, medi temperatura dentro da barraca lá pelas 22:00h e era de –4°C, do lado de fora –6.5°C. Olhei um pouco mais o céu e não acreditava em quão perfeito estava o tempo. Pensei “Nossa, parece até um pedido de desculpas do Cotopaxi pra mim!”. De repente meu relógio despertou: 23:30h. Game face on!

Levantei, fiz uma checagem na mochila e saí quase pronto depois de beber uma vitamina c e um resfenol. Levei a mochila pro refúgio, terminei de me arrumar lá, encontrei um pessoal (guias) e desejei boa sorte a todos. Depois disso comecei a caminhar a uma da manhã, sozinho. Olhando pra cima já via grupos próximos à linha de entrada do glaciar, onde voltei na primeira tentativa, já a 5.200 metros. Desfrutando do luar que iluminava o caminho e a uma temperatura que estava mais amena ainda com só –3°C, deixei a luz da lanterna no mínimo para poupar energia. Como uma formiga subindo uma árvore segui meu caminho sorrateiramente, as vezes aproveitando por estar fora do glaciar (sem risco de gretas) e fazendo o meu próprio caminho, saindo do engarrafamento de gente.

Chegando no glaciar o frio passou a ser de –6°C. Temperatura agradável, garantindo neve firme pra escalada. Melhor assim pra mim, sentia um pouco de calor com toda minha roupa e ainda a pluma. Subi a montanha passeando, olhando atentamente cada formação de gelo curiosa. As horas foram passando e fui evoluindo devagar, lutando pra proteger minha garganta do ar seco gelado dos –8°C a 5.550 metros, mas de nada adiantava.

Bem, o Cotopaxi é vendido como uma montanha fácil e que não requer nenhuma experiência, mas isto não é verdade. As vezes, caminhando, eu passava a apenas centímetros de um pequeno buraco de meio metro no chão, quando o iluminava pra olhar, não via o fundo. O Cotopaxi é coberto de gretas na rota normal e em qualquer outro lugar que se vá e 85% delas só vi na descida. Mesmo assim, fiquei impressionado. Vi no Cotopaxi uma característica que não vi em outras montanhas, toda pendente de gelo termina em uma greta e isso é terrível, pois qualquer queda sem sucesso na tentativa de self arrest vai terminar no fundo de uma greta que pode ter até sessenta metros de profundidade! Preocupante não?

Existe também épocas e épocas no Cotopaxi. Épocas em que uma grande greta se abre logo após a Yanasacha (grande parede rochosa que se vê abaixo do cume) necessitando de escadas para sua travessia assim como na cascata de gelo do Everest. Épocas em que ela se fecha com neve fresca que congela por semanas ou meses. É fácil sim, mas exposto a repleto de riscos ocultos. Todo cuidado é pouco.

Notei uma coisa muito desagradável no caminho: do lado esquerdo ou do lado direito das marcas de botas na neve sobre o glaciar, notei muitos pontos com vômito no chão. Pelo menos um a cada vinte minutos de escalada. Das três uma: Ou os clientes não queriam desistir do cume e continuavam o ataque mesmo a meio caminho de um sério problema com altitude; Ou os guias não tinham voz ativa suficiente pra faze-los descer; Ou os próprios guias incentivavam seus clientes a continuar ignorando o sinal de problemas explicitado pelos vômitos. Preocupante.

Cheguei a 5.800 metros. Há um curto trecho de cerca de quinze metros verticais de escalada em gelo. Se estivesse nevada seria fácil, caminhada na sua leve inclinação de máximos 50°, mas estava sem neve fresca e era verglass puro. Duro feito rocha, tive que cravar com força as piquetas pra escalar, solando é claro. Enquanto o fazia, um guia achou fotogênico e pediu a seus dois clientes pra esperarem um pouco enquanto ele me fotografava algumas vezes. Como procurei aquele guia depois que desci, ia pedir as fotos! Bem, continuo procurando por ele hehehe. Achei comédia, interessante ele ainda curtir a montanha e fazer fotos enquanto trabalha, comportamento diferente de um guia que provavelmente já escalou a montanha incontáveis vezes.

Bem, rapidamente terminei, enquanto recuperava o fôlego acima da escalada já, esbarrei com o Gavin e seus companheiros descendo, foram rápidos fazendo cume em pouco menos de cinco horas. Pronto, segui meu caminho já de novo sozinho por uma pequena “rua” esculpida entre dois domos de gelo já abaixo do cume. Passei por essa pequena rua, uma caminhada em linha reta virando à esquerda desse trecho de escalada de uns trinta metros, após isso uma curva acentuada à direita e bem longa, terminando em um enorme domo de gelo que faz parte de um complexo de três domos de gelo que compõem o cume do Cotopaxi. Para subir esse domo, o mínimo que posso atribuir à inclinação é de 50 ou 55°. Bem, bem exposta e pra variar, abaixo dela uma greta assusta no caso de queda.

Estava sozinho, já no topo do domo, cerca de trinta metros acima, o Boris levava seus clientes a últimos e tímidos passos pro cume do vulcão, e eu tinha que superar sozinho esta última etapa nevada, com flocos de neve enormes, quase do tamanho de pequenas bolas de gude, SOLTOS.

Boris subiu encordado com seus clientes e eu subiria sozinho. Tive que afundar mão a mão, pé a pé na rampa inclinada, adrenado, concentrado pra não escorregar ou deslocar muita neve porquê se isso acontecesse, dificilmente eu conseguiria parar com tanta neve fofa e com flocos tão grandes, e pararia no fundo da greta logo abaixo. Malditas gretas do Cotopaxi! Eu enterrava as piquetas e mãos junto e isso me deu um frio tremendo nas mãos.

Sem errar, calculando cada passada e cada afundada de mão, já com os dedos meio congelados, cheguei ao topo do domo. Uma leve trilha na neve fresca seguia à esquerda e subia a última pequena rampa pro cume, com no máximo 20° de inclinação. Recuperei o fôlego e subi já emocionado, chorando. O que despertou minhas lágrimas foi escutar os gritos dos austríacos no cume, felizes e comemorando.

Finalmente cume! Reencontrei o Boris no cume com seus clientes, mas nem fui ao seu encontro. Afastei-me uns metros e obviamente, desabei em mais lágrimas por vários minutos, oito ou nove, só olhando a cratera e seus diversos pontos de fumarolas. Catei os pedaços de lágrimas congelados que queimavam meu rosto, fiz um vídeo de cume, um dos austríacos se ofereceu pra fazer minha foto de cume e me impressionei, a foto ficou boa. Agradeci, com a máquina na mão fui até o Boris, o abracei e escutei os parabéns, primeiros de muitos!


Vídeo no cume do vulcão Cotopaxi, eu estava emocionado!


Havia ligado o gps cinco minutos antes de chegar ao cume pra dar tempo de ele alinhar, queria medir o cume já que em qualquer livro de escalada, página na internet, a referência nominal de altitude é a mesma, 5.897 metros. Como o cume do Cotopaxi não é a cratera propriamente dita e sim o glaciar, isso pode mudar de ano em ano assim como acontece com o Mont Blanc, dependendo da profundidade do glaciar. Olhei pro gps e me dava precisão de oito metros, a leitura que tive sem nenhuma alteração de pressão foi de 5.911 metros. Isso varia muito, mas pode ser que o Cotopaxi agora seja um cume de 5.900 metros e não mais 5.800 metros, o que faz sentido já que no mês de janeiro nevou no Equador como não nevava há 35 anos. No cume da montanha o frio é suficiente pra que essa neve fresca seja congelada dia após dia, incorporada ao glaciar do cume em pouco tempo. Bem, só um pensamento, uma possibilidade. Isso realmente não importa muito.

Voltei pra borda do domo de gelo e fotografei a cratera dezenas de metros abaixo, fiz três panorâmicas pra ter certeza de que uma funcionaria. Preferi pecar pelo excesso. Depois de uns vinte minutos percebi que Boris já havia descido com seus clientes (um deles levou pro cume uma guitarra inflável de borracha e fez fotos muito cômicas no cume!). Uma última dupla estava fazendo fotos. Decidi descer e comemorar fazendo esqui-bunda quando saísse do glaciar 650 metros verticais abaixo.

Com cuidado redobrado desescalei o domo de gelo do cume de novo sozinho, chegando a uma parte mais segura aproveitei pra fazer fotos do glaciar e da paisagem do vale dois mil metros abaixo!

A visão mais espetacular e ao mesmo tempo fantasmagórica que já tive, caminhar sozinho dentro do glaciar do Cotopaxi olhando pra todo lado e vendo um verdadeiro deserto de gelo, ao mesmo tempo que era observado logo acima pela Yanasacha, aquela enorme parede rochosa que parece um olho. O chato é não poder sair do caminho já marcado, pois o risco de cair dentro de uma greta, como expliquei anteriormente, é assustadoramente grande. Tinha em meu coração a obrigatoriedade de observar e registrar o glaciar pelo menos algumas vezes, sabe-se lá quanto tempo ele vai durar...Em apenas cinco anos o glaciar do Cotopaxi que ficava na linha dos 4.900 metros bem próximo do refúgio retrocedeu pra linha dos 5.200 metros, bastante rápido.

Mais um susto na descida, o vento gelado junto da mesma prática de enfiar fundo as piquetas na neve fresca com mãos e tudo não deu bom resultado. Comecei a sentir uma dor aguda no dedo indicador da mão esquerda e ao tentar move-lo, notei que estava rígido. Mas que merda, de novo?! Tirei a luva pra avaliar e ao ver o dedo me deu meio que um desespero, estava roxo e duro, bem duro. Dedo do pé estou cagando mas da mão não!!! Pra minha sorte era recente, bem recente, então não chegava a ser nem um primeiro grau o que já causaria alguma bolha, então era fácil de resolver. Nessa hora eu já tinha alcançado o Boris e seus clientes. Coloquei o dedo gélido dentro da boca, o mantive aquecido forçando ar quente de meu corpo pra boca, como se estivesse expirando mas sem liberar o ar quente. Assim em apenas uns cinco minutos consegui aquecer o dedo, recoloquei as luvas, mão dentro da pluma debaixo do braço e aqueci mais um pouco.

Junto do caso do vulcão San Pedro, este foi o caso mais assustador de congelamento em mão que eu já tive, pois dessa vez senti dor, muita dor. Para a próxima viagem, antes de mais nada, preciso comprar novas luvas. As que uso da BD não estão dando conta do recado quando o frio fica na casa dos –8°C pra baixo, e isso é temperatura normal de se pegar em alta montanha.

Depois disso o Boris já tinha feito segurança pros seus clientes desescalando o lance de verglass, então levantei e segui desescalando também. Aproveitei e tirei uma foto do refúgio e de minha barraca ao lado um pouco afastada. Única barraca, único pontinho colorido no campo nevado.

A partir dali minha descida foi rápida já que fiz esqui-bunda, aliás, não encontrei nenhuma marca de esqui bunda na descida. Possivelmente fui o único a faze-lo. Descendo rápido assim, acabei chegando ao refúgio antes de alguns grupos que já desciam enquanto eu ia pro cume.

Nem tive tempo de tirar os crampoons e já fui argüido por alguns guias sobre o cume, em seguida sendo parabenizado pelo sucesso e pela persistência. Processo este que se repetiu algumas vezes mais. Arrumei minhas tralhas e fui pra minha barraca. Lá comecei lentamente a desmontar o acampamento e jogar tudo dentro da minha mochila sem arrumar, nem a barraca entrou no saco, como estava foi pra mochila de tão feliz que estava! Voltei em seguida pro refúgio já pronto pra descer e tentar transporte/ carona pra estrada ou direto pra Quito.

Cheguei no estacionamento cansado sentindo a gripe e a dor na garganta que obviamente estava pior, havia dúzias de carros lá. Fiz um vídeo com 360° de vista do parque, troquei de bota e me agasalhei, pois fazia frio (ou eu tinha febre) e me deitei no chão agarrado às minhas mochilas e caí no sono por quase duas horas! Acordei com crianças andando perto de mim, europeus. Me olhavam como se estivessem com pena de um mendigo. Ahahahaha comédia!


360° de vista do estacionamento do Parque do Cotopaxi


Logo em seguida vi o Luiz de novo, descendo com outro grupo de turistas, perguntei sobre vaga no ônibus e fiquei feliz em receber uma resposta positiva. Pulei dentro e depois de meia hora o ônibus deixou o parque seguindo direto pra Quito. Dormi quase toda a viagem de volta pra cidade, tive febre dentro do ônibus e até calafrios, a febre deve ter sido alta. Entretanto estava feliz, realizado, sentindo o gostinho de missão cumprida. Voltar ao Brasil sem chegar ao topo do Cotopaxi pra mim não era uma opção. Perder nas duas primeiras tentativas foi uma experiência irritante. Pensei em desistir, mas, como disse no início deste texto, escutei e li o que precisava pra mudar de idéia radicalmente e meti a cara por esta terceira vez.

O melhor de tudo é que a volta também foi de graça pra mim! Que máximo, o meu custo pra escalar o vulcão foi de só vinte e dois dólares, dá pra acreditar? Vinte do transporte e dois da entrada do parque.

No geral, a viagem ao Equador não foi de todo um sucesso, mas não foi um fracasso. Esperava fazer alguns cumes a mais no próprio Equador, mas isso não rolou. Acima de tudo, não tinha nenhuma intenção de contrair uma gripe tão degradante durante a viagem, e também não queria ter meu psicológico tão abalado quanto foi. Por outro lado, conheci outro país andino incrível, pude fazer minhas observações de pessoas e comportamentos, fotos de pessoas, fiz quatro cumes e voltei pra casa com mais experiência. Não posso reclamar eu sei.

Nem tudo deu certo, mas, escalei o Coto como queria, estilo alpino e com minha barraca montada na base, sem refúgio.

Feliz. Não preciso mais passar outros três anos olhando a mesma foto do Cotopaxi no meu atlas, posso passar outros vinte ou trinta olhando as minhas fotos!

Em falar nisso, lá vão as fotos:


Finalmente eu vi o vulcão!


Rumiñahui com lenticulares sobre seus dois cumes.


Visão do meu acampamento pro Corazon e Rumiñahui.


Visão do meu acampamento pro Sincholahua, Cayambe e Antisana, nesta ordem da esquerda pra direita.


Um cara andando...visto da minha barraca.


Derretendo neve.


Relaxando...


Paris no Equador?


Parofito foi lá!


Meu acampamento e pôr do sol nos Illinizas (cobertos por nuvens).


Gelo do Cotopaxi, já a 5.800 m.


Vulcão Cayambe a distância.


Dois caras tentando descobrir como atravessar aquela greta. Perderam muito tempo e quando eu descia do cume passei por eles a 5.750m, estavam exaustos quase desistindo.
(tirei essa foto subindo)


Verglass a 5.800m. Grupo guiado à minha frente.


Finalmente! Panorâmica da cratera do Cotopaxi. Chimborazo ao fundo bem longe.


Mais uma da cratera, mais perto.


Eu no cume com o Chimborazo ao fundo.


Minha barraca marcada nesta foto durante a descida.


Chimborazo visto do cume do Cotopaxi.


Antisana visto do cume do Cotopaxi.



Abrazos a todos

Parofes

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Illiniza Norte, fugindo de tempestades 2 vezes

Desde que pensei em ir ao Equador em busca de montanhas, os Illinizas eram objetivos “pré-requisito” pra expedição. Como acabei ficando no Equador mais que o esperado pude pensar em fazer outras montanhas e tentar pelo menos o Norte, tentar...duas vezes.

O tempo no Equador este janeiro foi algo absolutamente incomum. Nevou no país e continua nevando como não nevava há pelo menos 35 anos. O Illiniza Norte, montanha fácil, não técnica de 5.125 metros, geralmente não custa mais que 2 horas para ter seu cume atingido desde o refúgio dos Illinizas que fica a 4.759 metros de altitude. Mas, para mim, não foi assim tão fácil e muito pelo contrário, a montanha tornou-se técnica e perigosa, com trechos bastante expostos onde um escorregão significaria morte certa.

Na minha primeira tentativa, contratei um transporte para as montanhas meio que sem querer. Já estava meio frustrado pelo insucesso no Cotopaxi e já com o psicológico pra baixo. Bundiei alguns dias por Quito sem fazer nada, bem, na verdade fiquei comendo e assistindo a TV, e ficando gripado!

De repente recebi uma mensagem do Boris, amigo do Summit Post e guia no Equador (eu e Boris somos pessoas de papéis importantes no SummitPost, ele é o membro equatoriano de maior renome e guia a maioria dos colegas que vão ao país, e eu sou o membro brasileiro de maior exposição no site, tendo construído dezenas de páginas de montanhas brasileiras, algumas andinas, e sou conhecido pelo apelido de “volcano man” por causa da minha paixão por vulcões e fotos que posto periodicamente deles), me disse que estaria guiando um americano bem inexperiente por lá, e que se eu quisesse transporte pra ir, esta seria a melhor opção pois poderia dividir o custo. Topei é claro.

Já não estava bem mas de qualquer maneira me preparei para uma ascensão alpina, preparei as 2 mochilas incluindo barraca (pretendia acampar), comida pra 3 noites e equipo de gelo, já que tentaria também o Illiniza Sur, montanha que divide o título de mais técnica do Equador junto do El Altar. Entretanto, já no carro tive minhas esperanças amarguradas. Para o Illiniza Sur eu precisaria de um parceiro, é perigoso demais ir em solitário já que esta montanha segura mais umidade que o Illiniza Norte, sempre tem nuvens e whiteouts, tem trechos em gelo de 75 graus, diversas gretas e etc, não queria ir sozinho, seria imprudente. Contava com o Boris para o dia da escalada e por isso até me propus a pagar sua diária pela escalada ao preço de 80 dólares. Mas, ele me disse que estaria guiando na trilha inca equatoriana e não poderia ser meu parceiro.

Já no carro, com o telefone à mão, ele ligou para cinco ou seis guias amigos até que conseguiu um disponível. Só tem um problema, o guia queria me cobrar duas diárias mais transporte e mais comida, o que chegava a um total de cerca de 250 dólares. Sem chance. Illiniza Sur foi por água abaixo...Fiquei mais deprê ainda. A situação piorou depois que, pouco antes de Machachi, o carro quebrou. Tivemos que parar na estrada e esperar um carro de um conhecido que chegaria e nos levaria o resto do trajeto. Parecia uma coisa, vários sinais indicativos de má sorte e eu não dei atenção...(risos).

Chegando na vila de Chaupi (3.200m) nos separamos, Brad (o cliente afeminado norte-americano) e o Boris ficariam em uma hospedaria comumente utilizada por escaladores para começar a investida pela madrugada seguinte. Eu segui sozinho com o carro substituo montanha acima. O trato era o carro me deixar no estacionamento dos Illinizas conhecido como “La Virgem” a mais ou menos 3.950 metros (há uma estatua da virgem lá) e de lá seguir pela trilha até o refúgio e fazer meu acampamento.

Dez minutos depois porém, a apenas 3.500 metros, o carro não conseguia mais avançar. O carro substituto não era um 4x4!!! Tudo por água abaixo...Esta distância adicional aumentava meu desnível de apenas 800 para 1250 metros verticais de aproximação, e mais cerca de 7kms só de estrada de terra até o início da trilha, e pra piorar a situação começou a chover forte. Com 2 mochilas e 25kg e uma gripe começando isso não era nada agradável, além do que, não foi por isso que paguei! Paguei por um 4x4 e transporte até lá em cima! Fiquei puto da vida, argumentei com o motorista que fez corpo mole e não quis avançar de jeito nenhum.

Mais um sinal negativo. Decidi voltar com ele até a hospedaria e passar a noite lá mesmo, subindo de ataque na madrugada. Mais custos, má sorte...

Chegando ao lodge entrei, consegui um quarto, contei ao Boris o acontecido e já arranjei carona pra madrugada. Passei o resto da noite assistindo TV e pensando na montanha, ainda puto.

O relógio despertou às 03:30h. Levantei, me vesti, peguei a mochila de ataque já pronta da noite anterior e desci pronto pro transporte. Comi alguma coisa de café da manhã incluso na diária do albergue, bom até, e me juntei ao grupo no carro, este sim 4x4, pra subirmos. Mesmo estando no carro e seguindo caminhando no mesmo lugar, não era neste momento cliente do Boris, só estávamos na mesma montanha ao mesmo tempo. Aliás, em nenhum momento cheguei a ser cliente dele.

Passamos pelo guarda parque, subimos mais, cruzamos o rio, a parte onde o motorista anterior desistiu e chegamos a 3.700 metros, só isso. Dali nem o nosso 4x4 (que depois constatei ser pura preguiça do motorista também) conseguiu passar. Então, sem cargueira caguei, toquei pra cima na escuridão sozinho. Estrada adentro...

Andei, andei, andei...Estrada longa e que a altitude quase não muda...Já era cerca de seis da manhã quando cheguei ao tal estacionamento La Virgem, e quando despontei lá seguido pelo Boris, seu cliente e mais um trio (guia e dois clientes, um israelense e um indiano), um outro 4x4 nos passou levando mais umas 5 pessoas. Porra!!! O carro chegou lá em cima e até passou do estacionamento chegando a marca dos 4000 metros! Vou te contar viu...Enfim...


Subindo pros Illinizas


Continuei andando. A gripe pesou, e minha vontade de fotografar ajudou, fui ultrapassado pelos grupos ficando meio que sozinho. Sem problemas, não tinha pressa, o tempo estava bom e estável. Andando calmamente e puto da vida com o Cotopaxi que estava límpido, tirei algumas fotos dele. De repente, senti um alien se movimentando na minha barriga, opa, merda a caminho! Parei atrás de uma pedra grande e deixei a criança nascer. O processo se repetiu mais uma vez alguns minutos mais tarde, loucura!!!

Continuei, agora bem mais atrás de todos os grupos, uns 200 metros. Não me abalei, segui feliz da vida como gostaria, com tempo limpo e Illinizas sorrindo pra mim. Quase não reconheci o Illiniza Norte em comparação com as fotos que olhei da montanha, estava coberta de neve, pintada de branco. Isso não era bom...simbora.

Em tempo, na subida da crista que leva ao refúgio, já a 4.350 metros, alcancei todos os outros e ainda ultrapassei um outro grupo, aquele que passou de 4x4 por nós andando. Ali o passo diminuiu, a crista é inclinada e demanda desgasto de energia...progresso lento já que tinha neve derretendo sobre detritos, uma pequena lama semi-congelada atrasava o progresso mais ainda....e desde a estrada fui caminhando nas botas boreal, pra não precisar trocar de bota lá em cima e ter que levar peso extra.

Por fim, depois de cerca de três horas e meia chegamos todos ao refúgio, onde uma pausa me aguardava para descanso e iniciar a subida da montanha. Até ali o desnível já tinha sido de 1050 metros. Parei por uns bons vinte minutos e segui adiante, logo depois de Boris, o outro guia e seus clientes, não queria ficar a frente de ninguém, queria subir sozinho.

Entretanto, com o passar do tempo, os caras se mostraram serem bastante divertidos, os clientes do outro guia amigo do Boris, o israelense e o indiano. Acabei colando com eles e batendo papos divertidos, desfrutando da montanha e da companhia agradável. O israelense tinha um gorro muito comédia e roupas bem coloridas, estava naturalmente fotogênico, mais parecendo um bozo andinista!

As horas passavam e logo logo algumas nuvens começaram a se aproximar, nada bom. O nível de neve em alguns pontos na montanha impressionava, no joelho. Nada bom! Vários sinais de merda juntos...além disso o calor, fazia 5 graus positivos o que derretia a neve fofa fresca da noite anterior e tornava tudo mais perigoso. O progresso foi lento, muito lento. Cheguei ao Paso de La Muerte (5.045m) as 10:30h, já tinha engarrafamento de um outro grupo guiado de seis pessoas, e um grupo menor de 3 pessoas levadas pelo Pedro, guia experiente de Quito e que acabou se tornando uma figura presente e cômica na minha vida durante a estada no país.

Todo mundo parado, juntando estes dois grupos, eu, o Boris e seu cliente, e o outro grupo do indiano e do israelense, éramos quase 20 no mesmo local, esperando o Boris e um outro guia tentarem abrir rota no meio da neve nos joelhos no paso de la muerte, uma pendente de uns 50 graus que deveria ser rochosa, repleta de neve fofa fresca, nada, nada bom.

Incrível como o tempo passa, e eu não queria desistir! Por isso esperei pra ver no que dava. Dez minutos, quinze, vinte, meia hora. O tempo já mudava radicalmente em proporções bíblicas, da água pro vinho. O indiano já não era mais engraçado e me enchia o saco reclamando de dor de cabeça. Nuvens nos cercaram e logo nos engoliram, já era quase meio dia quando o tempo fechou total e fomos assimilados por um whiteout e já com nevasca. Nesta hora eu que tinha uma bota melhor que a maioria estava lá, ajudando a abrir rota chutando neve na parte mais baixa do paso. Visibilidade baixa para cinco ou sete metros. Pensei comigo: Puta que pariu, vou embora daqui brother! Pareceu transmissão de pensamento, pois nesse exato momento o Boris conseguiu chegar ao outro lado e gritou para todos “melhor voltar, tá muito perigoso e a neve aqui está na minha cintura!”. Na mesma hora em que ele gritava isso em esforço pra ser ouvido, eu pedia passagem a um guia pra escalar de volta o paso e começar a descer pra salvar meu rabo da tempestade, a coisa estava preta!

Passei por ele, e quando olhei pra trás consegui ver a silhueta do Boris voltando pelo paso, apenas 8 ou 9 metros atrás de mim e era só uma figura fantasma. Pedi passagem pra mais gente e acabei me atrasando, a essa hora cagava pro cume, só queria descer porque a tempestade piorava gradativamente a cada minuto. Com medo e assustado por já ter perdido um amigo, guia experiente de Quito por causa de um raio na montanha, o Boris passou por mim quase correndo.....rs

Consegui passar por todo mundo e me adiantei na descida. Perdi todo mundo de vista. O Boris disse ao Brad (seu único cliente) “vamos descer muito rápido, se você não me acompanhar, é por sua conta pois pra baixo é mais rápido” e despistou o gringo de pé pequeno.

Os últimos por quem passei foram, pra minha surpresa, a lenda Equatoriana Santiago Quintero e um cliente italiano, ainda subindo! Que loucura! Bem, gastei uns 4 minutos me apresentando ao Santiago, o parabenizando pelo seu projeto ( http://www.altamontanha.com.br/colunas.asp?NewsID=1207 ) muito legal, e recebendo abraços para entregar ao Waldemar e ao Irivan Burda (enviei por e-mail faz umas duas semanas). Neste momento ouvi vozes, um guia com um casal basco (que mais tarde encontrei no Cotopaxi) se aproximavam. Quando olhei pra eles, notei uma coisa assustadora, os cabelos da mulher se levantaram e apontaram pro céu. Pensei “Fudeu, estou em zona de queda de raio!”, e escutei um trovão ensurdecedor. Olhei ao meu redor, a única opção que eu tinha pra fugir do alto da crista onde estava a aproximadamente 4.950 metros era descer em linha reta a face sul do Illiniza Norte quase em linha reta pra laguna verde, e foi o que fiz como ladrão fugindo da polícia!

Desci correndo a moraina nevada o mais rápido que pude, parando na metade do caminho pra descansar olhei à minha esquerda e pude ver de longe o Boris fazendo o mesmo, já quase lá embaixo. Rapaz, ele desceu de moto! Ahahahahah


Descendo o Illiniza Norte em péssimo tempo


Corri e corri e enquanto corria de vez em quando escutava um trovão perto e bem alto, em só três ou quatro minutos cheguei ao lado da laguna verde a 4.680 metros mais ou menos, dali virei mais tranquilo a esquerda sentido nordeste e comecei a caminhar pra chegar ao refúgio. Fazer isso me adicionou uns 800 metros de caminhada, mas pelo menos longe das partes mais altas. Caminhei rápido e logo cheguei ao refúgio. Lá encontrei o Boris que tinha chegado uns dez minutos antes de mim. Os outros chegaram somente cerca de 40 minutos depois, assustados e com frio. Do lado de fora a temperatura caíra pra –10 graus, uma queda de 15 graus celcius!

No refúgio ficamos todos presos por quase uma hora esperando a tempestade amainar um pouco, e enquanto isso eu olhei pro indiano que chegou se arrastando, e se retorcia de dor de cabeça reclamando muito. Me aproximei e disse “Cara, vou te dar um analgésico que não vai resolver muito, mas não posso te dar mais de um pra que ele não esconda os problemas que estão rolando na sua cabeça, você precisa descer rápido.”

Felizmente, nesta hora olhei pra fora e começou a acalmar, e uma nova camada branca de neve pintou mais ainda o Norte. Todos se prepararam e começaram a descer e eu fui ao banheiro pra mais uma sessão de caganeira. Quando saí, já estavam na trilha. Peguei minhas tralhas e me adiantei e quem encontro a só uns 300 metros do refúgio? O indiano caminhando feito zumbi sozinho. “Onde está seu guia?” perguntei. Não obtive resposta. Ele caiu em seus joelhos, se inclinou pra frente e vomitou metade de seus órgãos. Não tinha mais dúvida, aquele cara estava com um edema cerebral começando! Se não fosse embora dali rápido poderia morrer.

O levantei, peguei sua mochila e disse “vou descer sua mochila mas não vou te esperar, é só pra aliviar seu peso, mas você precisa correr comigo, entendeu?”. Tonto e apático sacudiu a cabeça positivamente e pra minha surpresa, conseguiu me acompanhar. Desci rápido, correndo, e a nevasca se intensificou. E eu pensando “mas que merda, o que mais pode dar errado nessa porra???!!!!!”. Sem muita dificuldade descemos cerca de 400 metros verticais de desnível em só uns quinze minutos, ali devolvi a mochila pro indiano que já apresentava melhoras e me despedi. Mais apressado ainda continuei a descida até o perder de vista.

Mais abaixo alcancei o Boris e o Brad e um muleiro com sua mula descendo. Aproveitei pra fazer um vídeo reclamando da vida e seguir adiante.


Não parava de nevar!


O "grão" de neve.


Ainda sob nevasca atingimos a linha dos 4.200 metros, já mais próximos do estacionamento e de lá foi um pulo até chegar a La Virgem, com o tempo começando a melhorar.

Esta minha primeira tentativa foi um pouco traumática, muito perigosa e exposta, além de eu ter meio que vestido a carapuça de papa-léguas e descer da montanha correndo fugindo da tempestade e dos raios que com ela vieram, ainda ajudei o indiano nas beiras de um edema cerebral...traumático, traumático. Chegando a hospedaria passei no banheiro de novo, troquei de bota e roupa, paguei a conta e quando estava pronto pra entrar no carro quase uma hora depois, chegou o segundo carro com o israelense, o indiano e seu guia. Olha, acho que o indiano nem se lembrava do que aconteceu pois nem um obrigado eu ouvi, nada, ele mal olhou pra mim. Ainda estava meio abalado mas consideravelmente melhor. Entrei no carro e fui pra Quito.

Tentativa frustrada com retorno apressado a só 75 metros verticais do cume, fazer o que, as vezes a montanha diz não! (estou dizendo isso muitas vezes ultimamente).

Segunda tentativa

Já no final da viagem, andando feito um besta em Quito buscando transporte pro Corazon, esbarrei sem querer com o Gavin na rua, e na mesma hora ele me disse que estava afim de tentar o Illiniza Norte. Sem problemas respondi na hora. Meia hora depois estávamos acertando transporte em uma agência perto dali.

Na manhã seguinte partimos e dessa vez sim conseguimos chegar ao estacionamento La Virgem, o tempo parecia perfeito, sem problemas, e lenticulares insistiam em se formar sobre o Illiniza Sur, mas não me preocupei. O único problema era o horário. O ideal pra atacar os Illinizas saindo de Quito é chegar lá ainda na madrugada e começar a andar às cinco no máximo. Começamos a andar quase nove da manhã, errado mas parecia que correria tudo bem já que o tempo estava perfeito.

Caminhamos sozinhos o tempo todo já que as pessoas que tentariam a montanha sairiam cedo do pueblo ou sairiam do camping ao lado do refúgio, ou do próprio refúgio. Estaríamos em desvantagem enquanto muitos desceriam. Mas, vamos que vamos.

Em pouco menos de três horas vencemos os 800 metros de desnível até o refúgio, paramos por uns dez minutos até nos arrumar com capacete e piolet à mão, e seguimos rumo ao cume.

Parecia tudo bem, avançamos calmamente desfrutando daquele tempo perfeito. Pessoas desciam do cume e normalmente eu perguntava como tinha sido, todos diziam o mesmo: “Com tanta neve a montanha está bastante técnica, mas diferente de duas semanas atrás, agora dá pra fazer cume!”. Me animei, seguimos.

Chegamos à crista da montanha a 4.950 metros, tudo já território conhecido pra mim, nada de novo. Então quase não tirei fotos ali. Chegamos ao meu ponto de desistência da vez anterior, sozinhos. Havia uma marca bem definida na neve pra desescalar o paso de la muerte e seguindo pra completar a travessia na pendente inclinada e exposta, continuamos sem titubear, mas com cuidado. Ultrapassamos o paso e o Gavin, dez anos mais novo e consideravelmente mais leve, seguiu cinco ou seis minutos à minha frente.

Nuvens começaram a se aproximar rapidamente, mas ainda não dei atenção achando que dessa vez a sorte estaria ao meu lado. Continuei a travessia já sem ver o Gavin, que entrou na canaleta pro cume. Ele deu sorte, logo assim que ele entrou um grupo de cinco pessoas começou a descer fazendo segurança. Quando terminei a travessia estava diretamente abaixo deles, rocha, gelo e neve desciam por causa das proteções e movimentação deles então não tive escolhe senão esperar.

Esperei, esperei e esperei. Não dava pra contornar sem corda, a inclinação chegava a 70° nas laterais, seria arriscado demais sem corda. Fiquei ali parado recebendo rajadas de pedaços de detritos sobre meu capacete. Esperei por 35 minutos. Gavin não descia e eu não podia subir. Nessa espera as nuvens se transformaram em uma tempestade, um whiteout me cercou e eu escutava já os primeiros trovões. “Mas que puta merda!” pensei, tudo de novo...

Avaliei ainda olhando pra cima e o grupo parecia não terminar nunca! Virei as costas e comecei a voltar, ainda sem ver o Gavin. Nossa, que raiva...Perdi o cume por isso, por causa da espera que tive que fazer. Voltamos rápido com medo dos raios que pararam momentaneamente, mas os ventos estavam fortes a essa hora e já nevava de novo.

O que dizer? Perdi o cume dessa vez por bobeira, por cinco minutos que eu deveria ter sido mais rápido, pelo grupo que não terminava nunca um trecho de só dez metros verticais, e pela nova tempestade que chegou. Terminei a situação escalando de volta o paso de la muerte na neve fresca, as vezes descendo junto com a neve que não aguentava meu peso. Quando eu olhava pra trás, via centenas de metros de queda quase vertical me aguardando, e eu não usava sequer uma corda. Só restou meu depoimento aborrecido no final das contas...


Meu depoimento depois de desistir pela segunda vez


Nove dias exatamente depois disso, no mesmo lugar onde eu esperei um polaco morreu por descer sem proteção, uma queda fatal. Sem chances de se salvar teve o pescoço quebrado, seu corpo foi removido dias depois.

Lamentável...

Fotos:


Chegada ao refúgio, primeira tentativa


Illiniza Sur ao fundo, primeira tentativa


Illiniza Sur ao fundo, primeira tentativa


Cotopaxi visto da trilha de aproximação, primeira tentativa


Illiniza Sur visto da trilha, primeira tentativa


Illiniza Norte desde o refúgio, primeira tentativa


E toca pra cima, já na crista, primeira tentativa


Visão do Sur desde a crista do Norte, primeira tentativa


Acabou a brincadeira...primeira tentativa


Terminando o dia aborrecido e com frio, primeira tentativa


Eu observando o Cotopaxi na segunda tentativa aos Illinizas


Illinizas vistos desde a aproximação de carro. Note lenticular sobre o Sur.


Illiniza Sur com lenticular se formando, segunda tentativa


Illinizas no começo do dia, segunda tentativa


Illiniza Sur com lenticular se formando e Gavin à frente, segunda tentativa


Eu desescalando o paso de la muerte, foto do Gavin


Já na volta e sob péssimo tempo, eu sescalando de volta o paso de la muerte, foto do Gavin



O Illiniza Norte já está disponível para consulta no Rumos:
http://www.rumos.net.br/rumos/rumo.asp?cdNot=171

Notícia da morte do polaco na montanha:
http://www.hoy.com.ec/noticias-ecuador/muere-montanista-455805.html

Abrazos

Parofes